A determinada altura do extraordinário quarto romance de Jenny Erpenbeck, “Kairos” (2021), vencedor do Booker Internacional, diz-se que “as nossas tragédias pessoais (…) não são as que comovem o mundo”. A frase faz sentido na boca de cidadãos da República Democrática Alemã, isto se as personagens seguissem a tese marxista de que o individual é secundário face ao colectivo. Mas se há lição a retirar de “Kairos” (e o livro gosta pouco de lições) é que são justamente as tragédias individuais as mais comoventes. De modo que o caso amoroso entre Hans, um intelectual, e Katharina, uma estudante, iniciado em 1986, tem mais importância do que os importantíssimos acontecimentos que levaram à extinção da RDA. Acontecimentos que Erpenbeck não esquece nem sublinha, tratando-os como pano de fundo ou como alegoria de outras mudanças.
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