28 janeiro 2023 14:19

João Vieira, mentor do projeto Wolf Manhattan Anton Goiri
Em “Introdução a Uma Verdadeira História do Cinema” transcrevem-se as conferências que o cineasta proferiu em 1978, em Montreal, e que preparam as mais tardias “História(s) do Cinema”
28 janeiro 2023 14:19
Porquê “verdadeira”? Porque a intenção destas conferências, pronunciadas em 1978 no Conservatório de Arte Cinematográfica de Montreal, era juntar imagens e palavras, com projecções seguidas de conversas. Segundo Godard, seriam essas imagens, e não as suas palavras, a melhor maneira de falar sobre cinema. Meio autobiografia, meio pesquisa, esta “verdadeira história” anuncia uma outra, “História(s) do Cinema” (1988-98), obra maior da fase tardia.
Quando o tema é “Godard sobre Godard”, conhecemos o repertório do cineasta: já fazia cinema quando fazia ainda crítica, trabalhou “em Hollywood” quando foi secretário de imprensa da Fox em Paris, discute dinheiro porque o cinema é uma questão de dinheiro, rejeita a noção industrial de ‘guião’, duvida de uma entidade chamada ‘o público’, aprendeu a filmar o espaço entre as coisas e não as coisas, usa a citação como forma de pensamento, etc. Mais surpreendente é o assomo da culpabilidade burguesa ou o cepticismo quanto aos esquerdismos. Ou então as aproximações inesperadas de certos filmes seus a filmes de terceiros (“Nanook, o Esquimó”, “Os Boinas Verdes”). Sem esquecer a admissão de que a “teoria do autor” foi uma teoria em causa própria. O estilo das conferências está bem distante da vibração e elegância dos textos da época dos “Cahiers” , visto que o livro mantém o coloquialismo, as repetições e até os lapsos [a tradução, ou a revisão, não ajudam: “deviam de fazer”, “haviam fragmentos”, “Dino de Laurentina” ou a divertida gralha “les tits de Paris”, em vez de “les toits”]. Em qualquer caso, Godard é Godard, e não escasseiam as intuições brilhantes ou sarcásticas: que a Kodak dependia mais das radiografias e dos casamentos do que do cinema; que a fábrica de sonhos é o sonho de uma fábrica; que os americanos sabem contar histórias mas desconhecem o sentido histórico; que uma “história do cinema” só tem sentido se for uma história do espectador. / Pedro Mexia