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O classicismo e as pás dos arqueólogos

O classicismo e as pás dos arqueólogos
D.R.

Tatiana Faia analisa poeticamente o universo greco-latino num livro que investiga como “desejar alguém devia ser todo um sistema ético”

Maria Helena da Rocha Pereira certamente acrescentaria um capítulo sobre este “Adriano” ao seu “Temas Clássicos na Poesia Portugueses”, não apenas porque Tatiana Faia é uma classicista, mas porque investiga o universo greco-latino de uma forma que não se parece com o “Antinous” de Pessoa, nem com as odes de Ricardo Reis, nem com a poe­sia de Sophia de Mello Breyner, para citar três exemplos.

Diga-se que um dos aspetos mais curiosos de “Adria­no” é o tom sarcástico face a “uma certa ideia de cultura” clássica, a ideia luminosa, hierática, intemporal (lembrando as críticas de Jorge de Sena a Sophia); e no entanto, perante tantos testemunhos vivos da história dos mortos (ruínas, bustos, moedas ou a Rua de Adriano, em Atenas), surge naturalmente uma gravitas, uma pergunta sobre a nossa relação com a memória dos mortos, até uma meditação sobre o que é uma vida bem vivida. Um dos poemas do livro, ‘Escavar Antínoo’ (o rapaz grego que o imperador romano amava e a quem dedicou um culto póstumo), lembra que as pás dos arqueólogos, no seu trabalho delicado, fatalmente “seguem apagando o tempo à medida que avançam”. Mas com a história de Adriano e Antínoo o mundo clássico ensina-nos que “desejar alguém/devia ser todo um sistema ético” e que uma consciência da felicidade inclui a tristeza. As vozes do livro de Tatiana Faia, seja o “eu”, o casal, os académicos, os amigos, os expatria­dos, os gregos antigos e modernos ou os escritores de assuntos clássicos, dos românticos ingleses a Kafavis e Seferis, do italiano Vittorio Sereni às “Memórias de Adriano”, de Yourcenar, todas essas vozes vivem, em igualdade de circunstâncias, a questão da plenitude e da melancolia, do desenraizamento e da liberdade, da ironia e da aprendizagem: “Espero enfim com alegria/tudo o que de certeza me desapontará//acho que este reconhecimento não tem arte/mas deve ser maturidade de estilo/para poetas.” / Pedro Mexia

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: pedromexia@gmail.com

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