
No seu novo romance, Julian Barnes propõe uma meditação sobre o propósito da narrativa e da vida
No seu novo romance, Julian Barnes propõe uma meditação sobre o propósito da narrativa e da vida
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Elizabeth Finch foi, em tempos, professora do narrador. Dava um curso sobre Cultura e Civilização a alunos adultos, mas era bem mais madura do que eles, “nobre [“high-minded”, no original], autossuficiente, europeia”. Discorrendo sobre os assuntos de modo calmo, seguro e gramatical, apresentava teses, perguntas, provocações: “Monoteísmo. (...) Monomania. Monogamia. Monotonia. Nada de bom começa assim. (...) Monograma: um sinal de presunção. Monóculo, idem. Monocultura: um precursor da morte da Europa rural. Estou preparada para reconhecer a utilidade do monocarril. (...). Mas quando o prefixo se aplica a assuntos humanos...” Talvez cínica, talvez estóica, nas aulas Elizabeth Finch mostrava-se lúcida, sarcástica, esquiva. Era um enigma para os alunos, incluindo para o narrador, Neil, que manteve o contacto com ela durante duas décadas.
Com a morte da professora, que o instituiu herdeiro da biblioteca e dos papéis, Neil vai de novo tentar descobrir quem era verdadeiramente Elizabeth. Parece inclinar-se para escrever uma evocação biográfica, depois pensa em desenvolver as notas dela para um ensaio sobre Juliano, o Apóstata; mas não é certo que concretize algum desses projectos, ou não fosse ele conhecido por deixar coisas inacabadas ou fracassadas, incluindo dois casamentos. Legatário de Elizabeth Finch, não sabe o que fazer com esse legado, até porque não sabe o que fazer com a memória dela. E não tem a certeza de que o método histórico seja útil para recuperar as histórias individuais. Uma frase de Ernest Renan serve-lhe de guia: “Entender mal a sua história é parte essencial de ser uma nação.” Se uma nação depende dos equívocos sobre o passado para cimentar a sua identidade, o mesmo valerá para as nossas histórias, que não supõem o triunfo de uma linha narrativa única, mas a aceitação de incompreensões, contradições, hiatos? Neil colecciona testemunhos e conjecturas sobre a professora, e tem acesso ao espólio, mas será que a conhece, ou que poderá vir a conhecê-la? “A tarefa do presente”, escreveu Elizabeth nos seus cadernos, “é corrigir a nossa compreensão do passado. E essa tarefa torna-se mais urgente quando o passado não pode ser corrigido”.
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