“Ulisses” é uma extraordinária extensão do domínio da linguagem romanesca, ou mesmo uma extensão do significado das palavras, como lhe chamou o autor desta primeira tradução portuguesa, João Palma-Ferreira. De entre os romances modernistas europeus e americanos, é aquele que levou mais longe a radicalização da língua, e não apenas da estrutura ou do registo. Em Proust há o detalhe e a sintaxe, em Virginia Woolf o fluxo da consciência, em Musil as digressões ensaísticas, em Faulkner a polifonia, e assim por diante, mas só James Joyce (e John Dos Passos, três anos depois, com intenção mais política) utilizou no mesmo romance todas as técnicas disponíveis, ou antes, todas as técnicas que não tinham estado disponíveis na ficção, porque a prevalência da narrativa lógica determinava o que se podia fazer num texto de ficção. Também por isso, Joyce estabeleceu um enquadramento narrativo máximo e um mínimo: em sentido lato, “Ulisses” apresenta-se como uma transposição moderna da “Odisseia”, com inúmeras correspondências e remissões para Homero; em sentido estrito, é a descrição do dia 16 de Junho de 1904 do senhor Bloom, que deambula por Dublin e depois regressa a casa, para a cama conjugal, onde vai dormir, como de costume, às avessas, os pés onde a mulher tem a cabeça, porque já nem são bem um casal desde que perderam um filho.
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