Nicholas Nixon fotografou as irmãs Brown todos os anos desde 1975: mas é muito mais o que vemos em Cascais
As irmãs Brown em 1975
Nicholas Nixon. Coleções Fundación MAPFRE
Mais de 200 fotografias desde 1974 a 2022 compõem a exposição do fotógrafo norte-americano, patente no Centro Cultural de Cascais até fevereiro de 2025. As pessoas são o centro do trabalho de Nixon, como mostra ao acompanhar a fase final da vida de idosos em lares ou de pessoas com sida. Pela primeira vez em Portugal, a série das irmãs Brown é apresentada na íntegra
Qualquer fotografia retrata aquilo que se vê, mas algumas conseguem mais do que isso: transmitir emoções, sentimentos, vivências. Captar o que existe para lá do visível é um dos dons de Nicholas Nixon, fotógrafo nascido em 1947 e um dos mais reconhecidos a nível global. Uma grande retrospetiva da obra do norte-americano está em Portugal até fevereiro do próximo ano. A partir da coleção da Fundação Mapfre, o primeiro piso do Centro Cultural de Cascais acolhe uma exposição com mais de 200 fotografias.
Tudo começa em 1974, com vistas de prédios e ruas de Boston e Nova Iorque, cuja nitidez é proporcionada pela utilização de câmaras de grande formato. Nixon regressa aos telhados das cidades no princípio dos anos 2000: todo o trabalho está organizado por séries e é habitual voltar a fotografar certos temas, quase sempre com uma “componente social importante”, aponta ao Expresso o curador Carlos Gollonet. Tanto as questões sociais como a passagem do tempo são “centrais e recorrentes em toda a sua carreira”.
É a partir de 1977 que Nixon passa a dedicar-se principalmente aos retratos. Veem-se crianças e famílias nas varandas das casas em bairros da Flórida ou do Kentucky, na rotina do quotidiano, sem artifícios nem poses. Sempre a preto e branco, imagens dos anos 80 (e novamente na última década) revelam como o tempo é inexorável: enquanto voluntário em lares e hospitais, Nixon fotografa a solidão dos idosos – através de olhares e rostos – e detalha as rugas que marcam a pele.
Nicholas Nixon. Coleções Fundación MAPFRE
Em jeito de continuidade, a série seguinte é dedicada à SIDA: o fotógrafo acompanhou 15 pessoas durante a fase final da vida, algo que o distingue naquela época. “Era um tema muito complicado porque as pessoas rejeitavam os doentes, ainda não se conhecia a doença e as pessoas afastavam-nos, como se fosse a peste. Para os doentes, significava normalizar a sua situação”, realça Carlos Gollonet. A proximidade do convívio permite mostrar cruamente a evolução da doença, o impacto no corpo nos últimos meses, por vezes com uma aparente resignação.
Já nos anos 2000, a intimidade e a paixão protagonizam um conjunto de fotografias de casais. Ao longo do tempo, Nixon fotografou também a própria família – começou logo pela esposa Bebe quase desde o primeiro encontro, quando se conheceram. Os pormenores evidenciam as transformações físicas que ocorrem naturalmente com a idade.
Este é um ponto especialmente marcante numa das séries mais destacadas da fotografia contemporânea, a das irmãs Brown, exposta pela primeira vez na íntegra em Cascais. Dispostas em paredes de cor preta, 48 imagens apresentam Bebe, Heather, Mimi e Laurie a cada ano, entre 1975 e 2022. O curador diz que Nixon – que conhece há mais de 20 anos – e as quatro protagonistas decidiram colocar um ponto final enquanto todos estão bem, em vez de o fim ser precipitado por um acontecimento como uma morte.
Nicholas Nixon. Coleções Fundación MAPFRE
Para estarem na melhor qualidade possível, as fotografias são alvo de cuidados especiais. Cada uma tem uma ficha com todas as informações – como por exemplo se sofreu algum dano – que é verificada sempre que é transportada. Quando regressam ao armazém, são guardadas numa espécie de gaveta, isto porque enquanto estão expostas sofrem uma certa tensão. “Quando está um ano a viajar, tem de descansar pelo menos dois anos”, explica Carlos Gollonet.
Em 2025, o Centro Cultural de Cascais seguirá com a aposta em fotógrafos de renome com uma exposição de Rodney Smith, avança ao Expresso o presidente da Fundação D. Luís I. As obras de Vivian Maier ou Margaret Watkins atraíram um elevado número de visitantes nos últimos anos. Uma vez que não é um museu, a programação tem de ser “muito mais eclética”, afirma Salvato Teles de Menezes. “Há uma vontade de continuar na mesma linha.”