Quando o escuro se faz na sala de cinema e o ecrã se ilumina, a expectativa é sempre “conta-me uma história”, mas lá no fundo o que se quer é que haja deslumbramento, essa coisa, como o amor, impossível de definir, mas reconhecível assim que acontece. Deslumbramento não falta em “Cão Preto” — e logo desde a primeira sequência. O filme abre com um plano largo, daqueles que só fazem sentido num ecrã grande e se apoucam nos dispositivos domésticos. É um espaço árido, o deserto de Gobi, ladeado por montanhas que também não parecem habitáveis, céus de ácido sulfúrico. Lá em baixo há uma linha que parece uma estrada e muito ao fundo uma nuvem de pó sinaliza um veículo em movimento. Situada numa encosta em plano superior, a câmara, porém, não parece demasiado interessada nele, faz uma lenta panorâmica para a direita, como se estivesse à procura de outra coisa. Quem tenha memória de cinema, sobretudo de westerns, sabe o que se espera: a entrada em campo do cano de uma espingarda, ou um bando de índios pronto a atacar.
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