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Cinema: François Ozon e a arte de provocar a suspeição

A velha senhora, Michelle (Hélène Vincent a conciliar doçura com funda firmeza), e a amiga, Marie-Claude (Josiane Balasko, a envelhecer com galhardia)
A velha senhora, Michelle (Hélène Vincent a conciliar doçura com funda firmeza), e a amiga, Marie-Claude (Josiane Balasko, a envelhecer com galhardia)

Em registo policiário, o novo filme de François Ozon, “Quando Chega o Outono”, é uma indagação pelos caminhos do pecado, da culpa e do perdão. Do estremecimento moral ninguém se livra

Cinema: François Ozon e a arte de provocar a suspeição

Jorge Leitão Ramos

Crítico de Cinema

O filme começa numa igreja seguindo uma velha senhora que assiste à missa. Foca-se no momento da leitura do Evangelho, segundo São Lucas. É a cena, célebre, da mulher pecadora, munida de um frasco de perfume, chorando aos pés de Jesus, quando ele se detém para comer em casa do fariseu Simão. Com as lágrimas, a mulher lava os pés de Jesus, seca-os com os cabelos, cobre-os de beijos e perfuma-os — e porque muito amor revelou, muitos pecados lhe serão perdoados, diz o Senhor. O filme torce, depois, um bocadinho a verdade das Escrituras, ao pôr na leitura a conclusão de que a mulher seria Maria Madalena, algo que o texto de Lucas não contém. O entorse é de boas intenções: destina-se a apontar ao espectador a tradicional ligação de Madalena com a prostituição e, por inferência, encaminhá-lo para, pelo menos, suspeitarmos que a velha piedosa senhora sobre quem a câmara se demora terá exercido idêntico mester. Pelo menos, suspeitarmos… Tudo, em “Quando Chega o Outono”, o mais recente filme do francês François Ozon, vai ser moldado por esse gesto inicial: provocar a suspeição.

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