“Close”, o filme queer adolescente que “não é autobiográfico” mas que Lukas Dhont escreveu “a pensar nessa fase da vida”
Gustav De Waele (Rémi) e Eden Dambrine (Léo) são os protagonistas de “Close”
Dois rapazes de 13 anos atraem-se mutuamente numa idade em que a atração não é ainda coisa definida. É este o ponto de partida de “Close”, filme sobre o qual o realizador Lukas Dhont falou ao Expresso. A longa-metragem chega esta quinta-feira aos cinemas portugueses
Muitos de nós guardam ainda uma memória bem viva de “Girl”, que foi estreia de arromba para Lukas Dhont, em 2018. Uma rapariga trans, a “girl” do título, entregava-se aos maiores sacrifícios para singrar como bailarina clássica. Escondia o seu sexo de menino e, no quarto, ao olhar-se ao espelho, via um corpo que não reconhecia como seu. Os pais dela não eram ogres nem santos. Acompanhavam a situação, com cuidado, mas sem protagonismo. Nem julgavam, nem a câmara os julgava.
Este aspeto está igualmente presente em “Close”, em que o conflito vem menos do corpo que do espírito. “O que é isto que eu sinto?” Léo e Rémi não sabem responder à pergunta. Têm 13 anos e começam este filme dentro de um jogo de escondidas. São amigos inseparáveis, diria quem os visse de fora. Mas nos olhos deles percebe-se que há mais. Aquele arranque de adolescência não sabe ainda descrever-se. Quem sabe abordar isto aos 13? O desejo entre os miúdos é que não pára, entra sem pedir licença à medida que a câmara de Dhont os aconchega.
Na escola, começa o embaraço no recreio pelas perguntas alcoviteiras, “Ah, mas vocês estão juntos, são gays?...” Léo e Rémi não sabem como fugir deste terreno armadilhado. Defendem como podem aquela intimidade mútua, mas cedem. Quem os poderia ajudar não está do lado do ecrã em que eles estão. E nem os pais de um nem de outro se dão conta do que se passa, o caldeirão de emoções chegou demasiado depressa e basta olhar para eles para nos darmos conta disso, Gustav De Waele (Rémi) e Eden Dambrine (Léo), dois intérpretes excecionais — quem diria que estão ambos num ecrã de cinema pela primeira vez.
Lukas Dhont, realizador
“Este filme, embora não seja autobiográfico, diz-me muito respeito porque, nesta idade, eu sentia que não pertencia nem ao grupo dos rapazes nem ao das raparigas”, contou Lukas no Festival de Cannes do ano passado (o júri presidido por Vincent Lindon dar-lhe-ia um Grande Prémio). “Mais tarde, quando entrei de facto na adolescência, disse a mim próprio que chegara o momento de estar com os rapazes. Comecei então a observá-los com extrema atenção, como andavam, como falavam, o que diziam, como se a minha vida dependesse dessa observação minuciosa. Comecei a copiá-los e a convencê-los que podia ser igual a eles, tentando convencer-me disso também. Não consegui. Dei-me então conta de que a amizade entre rapazes daquela idade, ao contrário da amizade das raparigas, é mais contida, usa sempre um vocabulário mais distante. Escrevi ‘Close’ a pensar nessa fase da minha vida. Nas pessoas a quem não pude exprimir o que sentia por elas, travado pela timidez, ou por uma regra social que me deixava afastado e limitava os meus movimentos.”
“Este filme, embora não seja autobiográfico, diz-me muito respeito porque, nesta idade, eu sentia que não pertencia nem ao grupo dos rapazes nem ao das raparigas”
Há uma espécie de poço sem fundo no final do primeiro ato de “Close” em que é preferível não tocar. É uma escolha dramática que costuma encerrar ficções, aqui torna-se uma ferida aberta aos 30 minutos de duração. A intimidade queer destas personagens é então interrompida por esse choque frontal, transformando-as em peões da fatalidade. Esse choque, inversamente proporcional à doçura com que Dhont continua a filmar, não abre apenas ao filme as portas do melodrama: abre-o também a sentimentos de culpa que correm o risco de ser deslocados. E, contudo, o investimento emocional do filme é enorme e suportado com consistência por todo o elenco (falta referir ‘as mães’ da história, Léa Drucker e Émilie Dequenne, a ‘Rosetta’ dos Dardenne!).
“Close” capta e é feito de uma energia que deflagra. Essa energia vem dos seus jovens atores, do momento da rodagem, é coisa muito mais induzida que ensaiada. E é energia que vale muito a pena ser sentida, defendendo este filme dos clichés que costumam rodear as personagens de cinema com esta idade.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes