A curiosidade de “Suzanne Daveau” pelo conhecimento transformou-se em filme. A vida da geógrafa está nos cinemas

Estreia. Luísa Homem realiza o documentário “Suzanne Daveau”. O crítico Francisco Ferreira dá-lhe três estrelas
Estreia. Luísa Homem realiza o documentário “Suzanne Daveau”. O crítico Francisco Ferreira dá-lhe três estrelas
Retrato da figura que homenageia, a franco-portuguesa Suzanne Daveau (n. 1925), uma das mais reputadas geógrafas do nosso país, companheira de trabalho e na vida do também geógrafo e africanista português Orlando Ribeiro (1911-1997) — são dele as imagens da Ilha do Fogo que abrem o filme “Casa de Lava” —, este documentário de Luísa Homem fala-nos de algo tão imemorial como a Terra e a curiosidade humana pelo conhecimento.
Reconstituindo a vida da geógrafa sem imposições cronológicas, recorrendo, aliás, a um entrelaçar de múltiplos materiais de arquivo (muitas fotografias, sobretudo de África) com novas imagens rodadas em película Super 8mm (que apelam àqueles materiais), “Suzanne Daveau” é cartografia de um espaço e de um tempo. E também condensa uma imagem do que era o Portugal daqueles inícios da década de 50, a sombra da ditadura, o colonialismo, assim como um ambiente que não favorecia Suzanne enquanto mulher, ela que, já muito atraída pelo continente africano, começa em Dacar a desenvolver trabalho no então muito masculino mundo científico. E depois há o som, a voz de Suzanne que atravessa o filme e o molda ao seu ritmo, fio condutor da narrativa. Essas palavras articulam-se com a riqueza das imagens. E é uma voz “sem pressas, que tranquiliza”, como disse a realizadora em certa ocasião, uma fonte incessante de melancolia. Mas não se espere de “Suzanne Daveau” uma peça de museu refém do tempo. Pelo contrário: é um filme sobre o presente, tem um coração que palpita. Aliás, fica-se com a sensação de que o documentário vai dizendo adeus ao que ficou lá atrás para se aproximar dos dias de hoje, de um aqui e agora que continua habitado pela nonagenária geógrafa, mulher sensibilíssima e ainda tão desperta, ela que se entusiasma e se inquieta com a vertigem do desenvolvimento tecnológico dos nossos dias. À ciência — e à semelhança de Orlando Ribeiro — deu ela alma, espírito e uma qualidade humanista sem a qual nenhuma ciência faz sentido. / Francisco Ferreira
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt