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“Vortex”: Gaspar Noé rende-se ao split screen para nos apresentar um programa funerário

“Vortex”: Gaspar Noé rende-se ao split screen para nos apresentar um programa funerário

Gaspar Noé é o realizador deste drama, com Dario Argento, Françoise Lebrun e Alex Lutz. A coprodução franco-belgo-monegasca chega esta semana aos cinemas e recebe do crítico Vasco Baptista Marques duas estrelas

A tradição remonta a 1998. Desde então que, com periodicidade irregular, o Circo Noé vem montando arraiais nos cinemas, para fustigar o público com um número invariável. A saber, aquele que combina histórias de desintegração com exercícios de sobrecarga sensorial, numa tentativa de chocar as retinas (entre as suas maiores proezas está a temerária execução do grande plano intravaginal e da ejaculação a 3D).

É um peditório para o qual nunca demos e que nos levou a entrar de pé atrás na sexta longa do cineasta, que — pasme-se — prescinde da pirotecnia audiovisual e dos diálogos adolescentes da praxe para escalpelizar o processo de erosão e apagamento de dois corpos. Eles pertencem a um casal de parisienses octogenários, composto por um historiador do cinema com problemas cardíacos e por uma psiquiatra aposentada cuja memória se encontra corroída pelo Alzheimer (Argento e Lebrun, que emprestam a “Vortex” uma vulnerabilidade comovente).

Com a descrição do quotidiano do casal — que vai tendo cada vez mais dificuldade em sobreviver sozinho — ocupar-se-á um filme que, como a maioria dos que Noé realizou no passado, assenta na exploração de um dispositivo. Aqui, o cineasta atira-se ao split screen, cindindo por sistema o quadro para apresentar ora duas ações simultâneas ora uma mesma ação encarada sob duas óticas distintas.

Infelizmente, este dispositivo constitui um preciosismo formal, do qual Noé não extrai grande coisa, limitando-se a usá-lo como meio de vincar a separação dos corpos no espaço doméstico ou como mera metáfora carcerária.

Mas o principal problema do filme está no modo como fica refém de um programa funerário que se mostra impermeável ao imprevisto. Sente-se que a narrativa se encontra predeterminada pela necessidade de demonstrar uma tese (síntese: vamos todos morrer), que o cineasta expõe, a espaços, no tom solene de quem acabou de descobrir a pólvora. Salvo melhor opinião, não há caso para tanto.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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