Acordado a meio da noite por um burburinho, Eduardo desceu as escadas e espreitou para dentro da casa de pasto que ficava no andar de baixo. À sua frente mulheres bonitas e homens bem vestidos comiam à mesa. Vendo-o, o pai gritou-lhe um ralhete que o fez correr para a cama. “Não o larguei, nos dias seguintes, até ele acabar por me dizer quem eram aquelas pessoas…” Nas mesas onde os operários comiam pela manhã a sopa, à noite homens bem vestidos e acompanhados de ‘vamps’ deliciavam-se com o bacalhau. “Era gente muito diferente dos operários da fábrica que aqueciam a marmita no fogão da minha mãe. Aquilo revoltou-me. Que vida era aquela?” Num Portugal desnutrido, o pai de Eduardo Gageiro (n. 1935) servia bacalhau, um dos produtos mais cobiçados e contrabandeados daquela década de 40 do século XX, aos que vinham do Parque Mayer ou do Casino do Estoril a más horas. “Comprava-o aos fiscais, eles é que faziam a trafulhice... Ainda me lembro de ir ao Quartel de Sacavém à procura do sargento Faria, que era o homem que tratava das refeições. Levava uma alcofinha. Devia ser para não dar nas vistas… e trazia a carne que ele desviava da cantina dos soldados.”
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