28 outubro 2022 0:03
Lídia Jorge observa com sagacidade e deixa o aviso: “misterioso é o sentimento da misericórdia, não tem hora marcada para entrar ou sair do ser humano”
28 outubro 2022 0:03
Não é raro que a mulher que dá à luz o escritor se torne depois também, em qualquer momento, mas por um motivo que todos os seres humanos experimentam, uma sua criação. Há, compreensivelmente, uma inteira literatura dedicada à representação da mãe, desde os ajustes de contas por tudo o que o amor maternal não foi (penso no texto belo e terrível de Irène Némirovsky, “A Inimiga”, 1928, que convoca em duelo a mulher fútil e indiferente que foi a sua mãe) até os reencontros sem fim que a vida e a morte permitem com esse amor, que, mesmo com ambivalências e imperfeições, primeiro nos revelou a nós próprios. Somos, de facto, e a literatura demonstra-o, “esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos”. Mas não deixa de ser um exercício difícil para um criador transformar em ficção essa figura arquitetural por excelência, conseguir aprofundar esse retrato, sem omitir nada, sem esconder as cicatrizes ou a dor, arriscando contar a força luminosa e a doçura desse incomparável amor. É disso que parte Lídia Jorge para o extraordinário romance que acaba de publicar (“Misericórdia”, Edições D. Quixote, 2022).
Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.