A ética e a liberdade não têm sobretudo a ver com a vontade, nem com as ações que dependem de nós, mas sim com o conhecimento e a possibilidade de conhecer. O ser humano é livre na medida em que conhece
Uma existência livre, dizia o filósofo Baruch Espinosa, é aquela que faz assentar a sua sabedoria não no medo da morte, mas na meditação da vida. É curiosa a deslocação que Espinosa propõe para pensar a liberdade. Na sua opinião a liberdade não significa ter a possibilidade de decidir o que se quer, afirmar o próprio desejo, autodeterminar-se segundo o seu arbítrio, ser responsável pelo curso das próprias ações. A ética e a liberdade não têm sobretudo a ver com a vontade, nem com as ações, certas ou erradas, que dependem de nós, mas sim com o conhecimento e a possibilidade de conhecer. O ser humano é livre na medida em que conhece. Conhece o quê? Conhece aquilo que o move, reconhece donde provém, torna-se consciente do que está na origem das suas ações. Para Espinosa, a ética é aquilo que está a montante e não propriamente o resultado ou o fruto da nossa ação. A ética não é uma conceção da vida, um pensamento ao qual nos devamos conformar, mas a remoção da opacidade que separa o sujeito das ações que desenvolve, assegurando a transparência entre aquilo que fazemos e aquilo que somos. O campo da ética não incide, portanto, sobre o fazer e o agir quanto sobre o ser (aprofundando incessantemente a relação entre o que se é e o que se conhece de si). A ética é, em síntese, a capacidade de reconhecer o que nos move: uma experiência de abandono ou uma presença amorosa; um vazio que gera carência ou uma plenitude; uma força que expande ou um medo que tolhe. Sabendo, naturalmente, que ninguém está isento das paixões tristes — a falta, a necessidade, o medo — que fazem de tudo para obstaculizar em nós o facto de viver. Contra essas — recomendava o filósofo — podemos opor a fortitudo (a fortaleza, a grande firmeza de alma) e a confiança naquela potência que em nós deseja preservar o próprio ser. A vocação dessa potência, forte ou débil que seja, é propagar-se ao infinito.
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