Os Cadernos e os Dias

Se te esqueceres do morto amado serás amaldiçoado

28 outubro 2022 0:00

Histótia fragmentada do mundo

28 outubro 2022 0:00

Um vídeo da guerra.
Um soldado está caído no chão. Está morto e estar morto é estar muito mais caído do que apenas caído no chão. Uma queda de onde já não se levanta por si próprio. Para sair dali só com ajuda dos outros.
Um morto precisa dos outros para sair do sítio, mas os vivos também — e talvez mais ainda.
Ao seu lado, estão dois soldados. Atrás um tanque, e fumo. Minutos depois de um ataque, de um bombardeamento. De que lado?
Veio do norte ou do sul? Pouco importa para quem morre. Importa muito, para quem ainda está vivo.
Ao lado do corpo, já definitivamente deitado, está um outro soldado que quase se ajoelha. Um companheiro. Leva a mão aos olhos e isso talvez seja um sinal a não desvalorizar. Está no limite de chorar, mas não chora.
Ao lado deste soldado, um outro soldado põe-lhe as mãos no ombro e diz-lhe: “Vamos rapidamente sair daqui, se eles dispararem de novo, vamos ficar aqui deitados ao lado dele.”
O soldado que quase estava de joelhos e quase estava a chorar, ergue-se, endireita-se e não chora.
Os dois vivos afastam-se. O soldado morto fica.
A amizade em tempo de guerra não é o mesmo que a amizade noutros tempos mais tranquilos.
“Se eles dispararem de novo, vamos ficar aqui deitados ao lado dele.”

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.