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A tecnobeleza está a redefinir a liberdade e a necessidade

A tecnobeleza está a redefinir a liberdade e a necessidade
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Na crónica ‘Sem Preço’, Catarina Nunes escreve sobre os gadgets de beleza e os motivos que fazem crescer os tratamentos profissionais em casa
A tecnobeleza está a redefinir a liberdade e a necessidade

Catarina Nunes

Jornalista

Há muito que não me lembro nem penso na vida que tivemos nos três últimos anos. Provavelmente não serei a única, excetuando aqueles que passaram por perdas mais traumáticas, como a de familiares, do emprego ou de rendimentos. Apesar de ter sido dada oficialmente como extinta em maio deste ano, a pandemia de covid-19 continua a perdurar nas suas consequências, que influenciam a forma como vivemos.

Por inerência da escrita desta coluna acompanho de perto os movimentos que redefinem o conceito de luxo desde a pandemia e as novas tendências de consumo. Duas das maiores evidências são o crescimento da importância das tecnologias e dos cuidados de beleza, que, juntas, criam um mercado que ganha dimensão nos últimos três anos: a tecnobeleza. Esta aglutinação, que diz respeito à tecnologia que é colocada ao serviço da beleza, tem mais uma nuance quando é materializada em dispositivos para usar em casa, replicando os tratamentos profissionais das clínicas de estética.

O mais recente lançamento da Foreo é o aplicador de máscaras UFO 3 (entre €139 e €329; caixa com seis máscaras, €29; www.foreo.com)
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É neste território que se posicionam duas das marcas que mais estão a apostar em Portugal, a Foreo e a Unicskin, seguindo caminhos e estratégias diferentes, mas que estão a convergir para áreas comuns, como os gadgets de tratamento do corpo e a junção de dispositivos eletrónicos com linhas de cremes para utilização conjunta. O pós-verão será uma época de revelações. A Foreo alargará a oferta para o corpo, numa lógica de lançamento de produtos cosméticos adequados aos seus dispositivos, como o aparelho de limpeza Luna 4 Body, somando-se em setembro um novo aparelho dedicado à tonificação muscular, celulite e flacidez, com microcorrentes elétricas.

Até ao fim do ano haverá também novas propostas, dentro e fora das gamas que já existem, como um dispositivo para a tonificação de uma zona especifica do rosto e novas gerações de tratamento através de máscaras faciais. A maior disrupção, essa, acontece no primeiro semestre de 2023, com a Foreo, que até à data se dedicava aos dispositivos (o de limpeza de rosto é o mais vendido), a dedicar-se a produtos de cosmética, para utilizar com e sem os dispositivos. Mariana Guerra, responsável de desenvolvimento do negócio da Foreo em Portugal e Espanha, explica que a marca, criada em 2013, lança há quatro anos os primeiros produtos de cosmética (sérum e gel de limpeza para usar com o dispositivo Bear de estimulação do rosto e com o Luna, respetivamente), que se revelam um sucesso de vendas. O caminho com potencial de crescimento fica evidente, para lá das máscaras inerentes à utilização do UFO.

A Unicskin é criada em Espanha em 2017, já com a combinação dos dispositivos tecnológicos com a dermocosmética
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O corpo é também o mais recente foco da atenção na Unicskin, que em setembro desvendará o primeiro dispositivo de estimulação corporal, a par com um gel de firmeza, anti-celulite e limpeza, que soma aos 14 produtos de dermocosmética e aos cinco aparelhos tecnológicos que já disponibiliza. O mais recente é uma máscara para o contorno ocular, que combate olheiras e papos, que é usada com um creme específico. Ao contrário da Foreo, que nasce virada para os aparelhos de limpeza do rosto, a combinação da tecnologia com a dermocosmética existe na Unicskin desde a sua génese. É lançada em 2017 com uma linha de cinco séruns, um creme hidratante de dia e de noite e um contorno de olhos, mais uma máscara de tratamento com luzes LED, que lhe garantiu visibilidade e 16 prémios internacionais.

A UnicLed Korean Mask, aliás, começa por ser o produto mais vendido mundialmente, mas Mónica Sada, fundadora e CEO da Unicskin, adianta que neste momento está em pé de igualdade com a Unictech Eye Mask, em conjunto com o hidratante ocular, e com a linha de cremes para as manchas de hiperpigmentação. Assumindo-se como uma marca de produtos de luxo de alta qualidade e a preços acessíveis, a Unicskin encontra nas clínicas profissionais um aliado, em vez de uma ameaça mútua. À semelhança da estratégia seguida pela Foreo, a Unicskin está presente em algumas clínicas de topo em Madrid, de onde a marca é originária, que funcionam como prescritores e vendedores. As marcas de tecnobeleza, por seu lado, dão às clínicas ferramentas que permitem aos seus clientes potenciar e manter em casa os resultados dos tratamentos feitos em gabinete.

A UnicLed Korean Mask com luzes LED começa por ser o produto mais vendido na Unicskin (€330; Perfumes e Companhia, https://www.unicskin.com/)

Estes tipos de dispositivos já existem há alguns anos, com mais ou menos tecnologia e funcionalidades envolvidas. Mas é o confinamento durante a pandemia e algumas das suas consequências (o confronto no Zoom com a auto-imagem e o encerramento das clínicas de estética) que popularizam os tratamentos de beleza em casa, com tecnologia profissional. Globalmente, é um mercado avaliado em 14 mil milhões de dólares (€12.7 mil milhões), em 2022, e que deverá ascender a 89,8 mil milhões de dólares (€81,4) em 2030, multiplicando-se por cerca de seis vezes e meia mais, segundo a consultora Prescient&Strategic Intelligence.

Este mercado inclui aparelhos para fazer crescer o cabelo, remover pelos a laser e limpar e branquear os dentes, por exemplo, mas é no segmento do rejuvenescimento, onde se enquadram os protagonistas desta crónica, que se registará o crescimento mais rápido. O que isto indica é que as pessoas estão a preferir introduzir estes dispositivos nas rotinas do dia-a-dia, em detrimento dos procedimentos em clínicas, que consomem mais tempo e dinheiro. Os fabricantes de tecnologia e as marcas de beleza dão uma ajuda introduzindo cada vez mais opções, que tornam os tratamentos profissionais em casa num novo luxo.

O FAQ 100 marca a entrada da Foreo no tratamento de peles maduras, com tecnologia avançada e preços mais altos (entre €429 e €1.429; www.foreo.com)
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Com o aumento da sofisticação tecnológica e da obsessão pelo rejuvenescimento, o mercado está a microsegmentar-se. É neste contexto que a Foreo estreia em Portugal, em abril deste ano, a submarca FAQ direcionada ao público mais velho, com tecnologia avançada e preços mais altos. É no cruzamento da radiofrequência e da eletroestimulação (habitualmente só acessíveis em clínicas e trabalhadas por profissionais), cruzadas com as pulsações T-sonic, luzes LED e infravermelhos, que a FAQ baseia três dos novos gadgets para peles maduras. Integrados na gama 100, diferem entre si pela quantidade e diversidade de tecnologia, sendo um deles banhado com diamantes. A gama 200, por seu lado, é composta por duas máscaras em silicone flexível transparente e com 600 pontos de luzes LED, que atuam na regeneração das células da pele, a nível profundo.

A corrida aos tratamentos domésticos próximos dos das clínicas de estética - impulsionada também pela apetência para os preenchimentos injetáveis -, está a expandir o segmento dos princípios ativos profissionais para usar em casa. No laboratório austríaco Croma Pharma, de produção industrial de ácido hialurónico profissional, nasce a Croma Skincare que entra em Portugal propondo-se a revolucionar o mercado. O produto? A máscara líquida Pure HA, com ácido hialurónico puro em alta concentração, apresentada em ampolas de vidro esterilizadas e aplicada com o êmbolo incorporado. O objetivo? Disponibilizar um tratamento intensivo anti-envelhecimento, com ácido hialurónico com a mesma composição do que é utilizado na medicina estética.

A máscara líquida Pure HA é o produto mais icónico da Croma Skincare (€75, caixa de quatro ampolas com êmbolo; https://cromaskincareshop.com/)
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A Croma Skincare inclui ainda uma linha de cinco séruns e oito máscaras faciais em papel, para diferentes necessidades, mas Maria Cudeiro, diretora-geral da Croma Pharma em Portugal e Espanha, garante que o ‘casamento’ destes produtos com dispositivos tecnológicos não é parte da estratégia. Neste momento, a estrela da marca é a máscara refirmante em papel, Tightening Face Mask, que promete um efeito refirmante ‘tipo lifting’, melhorando a produção de colagénio e os níveis de hidratação da pele.

Emular os preenchimentos injetáveis, mas em casa e sem agulhas, é o caminho da Fillerina, criada no laboratório suíço de dermoestética LABO, que se inspira na medicina estética. O Fillerina 12 HA Densifying-Filler contém 12 ácidos hialurónicos com diferentes pesos e estruturas moleculares, em sinergia com três moléculas de colagénio e duas moléculas de elastina. Este cocktail destina-se a preencher as rugas de expressão e de envelhecimento e atua na flacidez, volume e contorno do rosto. Apresenta-se em três embalagens com dosagens distintas (Grau 3, 4 e 5), que devem ser escolhidas consoante o estado das rugas, e inclui ainda um creme nutritivo a aplicar no final.

Emular os preenchimentos injetáveis é o caminho da Fillerina (€89, Grau 3; €125, Grau 4; e €145, Grau 5, caixas com 14 doses; https://fillerina.pt/produto/)
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A migração dos produtos e dispositivos de utilização profissional para os lares, ou para onde quer que estejamos, pode fazer torcer o nariz de quem põe em causa a sua eficácia e/ou segurança. Mas a avaliar pela expansão deste mercado, há uma onda crescente de gente a contribuir para a redefinição dos conceitos de liberdade e de necessidade, aos quais os pensadores marxistas se dedicaram com o materialismo histórico dialético, como elemento de análise da sociedade e da produção de bens materiais. No pós-pandemia, liberdade pode ser, simplesmente, deixar de depender de clínicas profissionais, em prol de uma necessidade criada com a restrição da liberdade.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: CNunes@expresso.impresa.pt

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