Sementes de confronto: o estranho campo de trigo que cresceu no coração de Nova Iorque

No Caminho das Estrelas
Nova Iorque, maio de 1982. Este trigo foi semeado pela artista Agnes Denes, a um quarteirão de distância de Wall Street. Se o trigo pudesse ver, veria as torres gémeas do World Trade Center, a partir daqueles 8 mil metros quadrados livres de betão. O espaço fora um aterro e viria depois a ser estaleiro de construção. Mas durante aqueles meses transformou-se em campo fértil, junto a uma parte de Nova Iorque mais habituada a atividades financeiras. Como obra de arte, esta plantação assumiu um nome tão factual como provocativo: “Wheatfield — A Confrontation” (Campo de Trigo — Um Confronto). Da sementeira à seara colhida em agosto de 1982, esta foi uma intervenção artística efémera, feita mesmo ali num dos centros mundiais de poder. A colheita deu mais de 400 quilos de trigo, que a artista semeou depois pelo mundo. E aconteceu muito antes dos atentados do 11 de Setembro de 2001, numa altura em que aquela parte de Nova Iorque era o habitat de personagens como as do livro de Bret Easton Ellis “Psicopata Americano” (1991), que teve em 2000 uma versão cinematográfica muito boa, da realizadora Mary Harron. Apesar da localização, em 1982 o campo de trigo de Agnes Denes foi visto como obra de vanguarda, sem a catapultar logo para uma notoriedade como a que foi alcançada pela dupla Christo e Jeanne-Claude e por outros artistas de Land Art, sobretudo homens. A artista e semeadora Agnes Denes nasceu em Budapeste e cresceu na Suécia. Depois, foi estudar para os Estados Unidos, onde vive. Agora, é, aos 93 anos, a criadora consagrada de obras fundamentais da chamada Land Art, a arte que pressupõe uma intervenção artística numa determinada paisagem. A força poética e ecológica da obra de Denes está agora em sintonia com a atualidade, merecendo atenção em vários países. Até 31 de março, faz parte da exposição “Our Ecology” (A Nossa Ecologia) no Mori Art Museum, em Tóquio. Até 7 de abril, está em “Det uerstattelige menneske” (O Humano Insubstituível) no Louisiana Museum of Art em Humlebæk, na Dinamarca. E até 28 de setembro de 2025, dá verde em Berlim à exposição “Zerreißprobe” (Tensão Extrema), na Neue Nationalgalerie. Com este campo de trigo, Agnes Denes pôs no centro do mapa questões como a fome, a ecologia, a gestão das cidades. Foi há 41 anos. Ainda vamos a tempo?
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