
As traduções, há muito aguardadas, do teatro completo e da biografia de referência trouxeram Beckett de volta aos leitores portugueses. Motivo para uma conversa com James Knowlson, seu celebrado estudioso, biógrafo e amigo
As traduções, há muito aguardadas, do teatro completo e da biografia de referência trouxeram Beckett de volta aos leitores portugueses. Motivo para uma conversa com James Knowlson, seu celebrado estudioso, biógrafo e amigo
Os beckettianos portugueses têm tido motivos de regozijo. Depois de em 2021 ter saído enfim o “Teatro Completo” (um projecto antigo, concretizado pelas Edições 70), chegou agora às livrarias a biografia autorizada “Falhar Melhor – A Vida de Samuel Beckett” (Teatro Nacional São João / Edições Húmus, tradução de Fernando Villas-Boas, prefácio de Carlos Quevedo). Escrito pelo britânico James Knowlson, hoje nonagenário, homem afabilíssimo, Professor Emérito da Universidade de Reading, beckettiano reputado, amigo de Beckett, “Falhar Melhor” (no original “Damned to Fame”, 1996) contou com a inesperada cooperação do biografado, conhecido por ser esquivo a qualquer forma de exposição. Beckett morreria poucos meses depois do começo das conversas com Knowlson, mas deu-lhe acesso a fontes documentais inéditas e desbloqueou o testemunho de colegas e amigos. Admiravelmente, o académico conseguiu evitar a exegese hermética e a explicação transparente, fazendo desta uma das mais notáveis biografias literárias das últimas décadas. Confirmamos nestas páginas o que já sabíamos sobre Beckett: a importância decisiva da Irlanda, da mãe, de James Joyce, o gosto pelo álcool, o desgosto com a fama. E ficamos a conhecer bastante melhor os colapsos, as histórias com mulheres, as dificuldades com actores e encenadores, e os anos da guerra, quando o escritor expatriado se juntou à Resistência francesa. É o retrato extenso, minucioso e empático de um pessimista lúdico, de um solitário generoso, de alguém que voltava uma e outra vez a certas imagens obsessivas que uma biografia talvez possa, ou talvez não possa, desvendar.
À sua primeira biógrafa, Deirdre Bair, Beckett disse: “Não vou ajudar nem impedir.” Mas a si ajudou-o: “A uma biografia de mim por si é Sim.” Isso aconteceu porque ele percebeu que, já que uma nova biografia era inevitável, mais valia ser de alguém que ele conhecia e em quem confiava?
A breve carta que Samuel Beckett me escreveu autorizando-me a ser seu biógrafo, datada de 21 de Março de 1989, dizia: “A uma biografia de mim por si é Sim.” Um sim com maiúscula. A sua amiga íntima Barbara Bray disse-me pouco depois que ele concordou porque, como já referiu, a) alguém iria mais tarde ou mais cedo escrever outra biografia dele; e b) porque ele tinha dito que eu era “a pessoa que conhecia melhor o trabalho dele” e que confiava que eu não me ficasse pelo “anedótico”. Quando o contrato foi assinado houve também uma cláusula que estipulava que o livro só podia ser publicado depois da morte dele e da morte de Suzanne [a mulher de Beckett], porque, como ele me escreveu: “Isso vai dar-lhe mais liberdade... Vai ter mais uns seis anos.” Vale a pena acrescentar que, em 1989, eu já conhecia Beckett há 19 anos, que me encontrava regularmente com ele desde 1970 e que jantei com ele em muitas dessas ocasiões. Além disso, tinha montado o Arquivo Beckett na Universidade de Reading em 1971, e em 1988 esse arquivo tornou-se na Fundação Internacional Samuel Beckett. Em 1976 fundei o “Journal of Beckett Studies” e, durante quase 20 anos, escrevi ou editei 10 livros sobre ele, incluindo quatro volumes dos “Theatrical Notebooks” (trabalhando em conjunto com ele nos textos revistos de “À Espera de Godot” e “A Última Gravação de Krapp”). Em 1987, ele dedicou-me um poema em inglês e francês, e em 1988 escreveu-me, numa carta de 7 de Abril: “Tudo o que posso dizer é obrigado obrigado obrigado por tudo o que tem feito pela minha obra. Nunca direi isto vezes suficientes.” Desculpe a minha falta de modéstia, mas perguntou-me porque é que ele aceitou que eu escrevesse a biografia dele.
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