A Revista do Expresso

Comandos: toda a história de força de elite portuguesa que nasceu com treinos de um italiano

3 julho 2022 11:58

Vítor Matos

Vítor Matos

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Jornalista

FOTOGRAFIAS D.R.

Um jornalista aventureiro italiano treinou os primeiros comandos em 1962. Foi há 60 anos. A mais dura e controversa força de elite portuguesa está a modernizar-se

3 julho 2022 11:58

Vítor Matos

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Jornalista

alferes-miliciano João Vieira Pereira, sapador e especialista em minas e armadilhas, tinha sido mobilizado aos 24 anos para Nóqui, nas margens do rio Zaire, no extremo norte de Angola, para integrar o Batalhão de Caçadores 280, quando conheceu o “jornalista”. O destino daquela tropa mudou quando uma lancha da Marinha desembarcou um inesperado casal de estrangeiros à procura de ação e guerra, que ficaria quase um ano a apanhar pó no teatro de operações. Cesare Dante Vacchi, italiano, e a namorada Anne Dominique Gaüzes, uma fotógrafa francesa de nome alemão, apresentaram-se, em abril de 1962, como repórteres da “Paris-Match”, mas ignoram-se as reportagens que fizeram nesses anos sobre Angola. Em pouco tempo, convenceu os comandantes do Exército a melhorar o treino dos soldados mal preparados e mal equipados. Nesse verão, Vieira Pereira (pai de João Vieira Pereira, diretor do Expresso), comandará a construção do primeiro campo de treino para formação de “comandos”, em Zemba, o CI21, e dará instrução com base nas teorias de Dante Vacchi. Ainda sem boinas vermelhas, os instruendos recebem um cartão que atesta a instrução e aperfeiçoamento de contraguerrilha: “Eu era o comando número um”, recorda João Vieira Pereira, hoje com 85 anos. Em dezembro, “distribuíram uns cartõezinhos e deram-me o cartão de comando número um...” No campo de instrução seguinte, o CI16, em Quibala, o major Santos e Castro também receberia o cartão com o número de “comando nº 001”, e ficaria como o fundador dos comandos. Com dois números “001”, a mais temida e controversa força especial portuguesa nasceu há 60 anos.

O soldado Diogo Sequeira, 24 anos, põe a mochila com mais de 40 quilos às costas e pega na G3 que vai transportar durante o exercício final do curso de comandos que começa dali a umas horas em Vila Real de Trás-os-Montes — passará por Penamacor e Castelo do Bode — e acabará em Alcochete, na Margem Sul do Tejo. Ele ainda não sabe, porque a incerteza faz parte da “encenação” do treino, mas nos próximos 12 dias vai caminhar 250 quilómetros com equipamento, e ser emboscado em situações de combate simulado. É terça-feira, 14 de junho. Está na caserna dos instruendos, no regimento de Comandos na Carregueira, em Sintra, e já superou 12 semanas da instrução mais dura do Exército para fazer o impossível, tão impossível que já desistiram ou foram eliminados 25 dos 68 candidatos iniciais. Sequeira tem a licenciatura em desporto, não se queixa da violência física do treino e não refere a fatídica Prova Zero — que matou dois recrutas em 2016 — como o momento mais difícil da instrução: “O mais complicado é abdicar dos confortos de casa”, admite, mas elege a marcha de 42 quilómetros como o ponto mais duro. “É possível ser um campeão de cardio mas não se consegue fazer isto sem resistência psicológica”, diz ao Expresso, hirto e em sentido. Os instruendos falam sempre hirtos e em sentido. Correm quando um graduado os chama. Há 60 anos, quando um italiano cuja vida dava um filme criou o embrião dos comandos em Angola, a que depois o então capitão Santos e Castro deu corpo, levou essa ideia de “ação psicológica” para a instrução. Para tirar o medo aos soldados.