Exclusivo

A Revista do Expresso

Comandos: toda a história de força de elite portuguesa que nasceu com treinos de um italiano

FOTOGRAFIAS D.R.
FOTOGRAFIAS D.R.

Um jornalista aventureiro italiano treinou os primeiros comandos em 1962. Foi há 60 anos. A mais dura e controversa força de elite portuguesa está a modernizar-se

alferes-miliciano João Vieira Pereira, sapador e especialista em minas e armadilhas, tinha sido mobilizado aos 24 anos para Nóqui, nas margens do rio Zaire, no extremo norte de Angola, para integrar o Batalhão de Caçadores 280, quando conheceu o “jornalista”. O destino daquela tropa mudou quando uma lancha da Marinha desembarcou um inesperado casal de estrangeiros à procura de ação e guerra, que ficaria quase um ano a apanhar pó no teatro de operações. Cesare Dante Vacchi, italiano, e a namorada Anne Dominique Gaüzes, uma fotógrafa francesa de nome alemão, apresentaram-se, em abril de 1962, como repórteres da “Paris-Match”, mas ignoram-se as reportagens que fizeram nesses anos sobre Angola. Em pouco tempo, convenceu os comandantes do Exército a melhorar o treino dos soldados mal preparados e mal equipados. Nesse verão, Vieira Pereira (pai de João Vieira Pereira, diretor do Expresso), comandará a construção do primeiro campo de treino para formação de “comandos”, em Zemba, o CI21, e dará instrução com base nas teorias de Dante Vacchi. Ainda sem boinas vermelhas, os instruendos recebem um cartão que atesta a instrução e aperfeiçoamento de contraguerrilha: “Eu era o comando número um”, recorda João Vieira Pereira, hoje com 85 anos. Em dezembro, “distribuíram uns cartõezinhos e deram-me o cartão de comando número um...” No campo de instrução seguinte, o CI16, em Quibala, o major Santos e Castro também receberia o cartão com o número de “comando nº 001”, e ficaria como o fundador dos comandos. Com dois números “001”, a mais temida e controversa força especial portuguesa nasceu há 60 anos.

O soldado Diogo Sequeira, 24 anos, põe a mochila com mais de 40 quilos às costas e pega na G3 que vai transportar durante o exercício final do curso de comandos que começa dali a umas horas em Vila Real de Trás-os-Montes — passará por Penamacor e Castelo do Bode — e acabará em Alcochete, na Margem Sul do Tejo. Ele ainda não sabe, porque a incerteza faz parte da “encenação” do treino, mas nos próximos 12 dias vai caminhar 250 quilómetros com equipamento, e ser emboscado em situações de combate simulado. É terça-feira, 14 de junho. Está na caserna dos instruendos, no regimento de Comandos na Carregueira, em Sintra, e já superou 12 semanas da instrução mais dura do Exército para fazer o impossível, tão impossível que já desistiram ou foram eliminados 25 dos 68 candidatos iniciais. Sequeira tem a licenciatura em desporto, não se queixa da violência física do treino e não refere a fatídica Prova Zero — que matou dois recrutas em 2016 — como o momento mais difícil da instrução: “O mais complicado é abdicar dos confortos de casa”, admite, mas elege a marcha de 42 quilómetros como o ponto mais duro. “É possível ser um campeão de cardio mas não se consegue fazer isto sem resistência psicológica”, diz ao Expresso, hirto e em sentido. Os instruendos falam sempre hirtos e em sentido. Correm quando um graduado os chama. Há 60 anos, quando um italiano cuja vida dava um filme criou o embrião dos comandos em Angola, a que depois o então capitão Santos e Castro deu corpo, levou essa ideia de “ação psicológica” para a instrução. Para tirar o medo aos soldados.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate