“Se é fascismo querer que os corruptos não voltem ao poder, então somos fascistas”
Foto: José Fernandes
Ao quinto dia, voltaram os protestos às ações de campanha do líder do Chega. “Todos os que me atacam são subsídio-dependentes. Não há outra razão para me atacarem”, declarou o candidato presidencial em Castelo Branco. Ventura também falou de Sócrates e de corrupção. E recusou que os insultos que dirigiu na véspera a adversários políticos fossem insultos
“Atenção ao discurso, atenção ao discurso porque pode incendiar um bocado”, advertiu um dos guarda-costas de André Ventura, encostado mesmo ao candidato presidencial e líder do Chega. Mas este já tinha entrado a provocar: “Não é bonito que em cada distrito onde vamos andem estes subsídio-dependentes atrás de nós?”. Foi, de resto, com esta interrogação que iniciou o discurso na concentração-comício esta quinta-feira junto às docas de Castelo Branco. Os manifestantes, sobretudo jovens, estavam em menor número relativamente aos apoiantes de Ventura mas faziam-se ouvir. De tal modo que o candidato lhes dedicou grande parte da alocução.
José Fernandes
Entre gritos cruzados de “Ventura a Presidente” e “Fascismo nunca mais”, o candidato declarou: “Se acham que é fascismo querer que os corruptos não voltem ao poder, então, sim, nós somos fascistas”. E rapidamente cortou para José Sócrates, “um nome que é muito caro a Castelo Branco por razões negativas”. “Onde estavam estes manifestantes quando José Sócrates destruía o país e recebia aqui em Castelo Branco e recebia a chave da cidade na Covilhã? Onde é que estavam estes manifestantes? Não estavam em lado nenhum”, perguntou e respondeu, enredando-se nas suas alegações e acusando-os de estarem agora “a fazer circo”. Mas a avaliar pela idade, muitos dos manifestantes estariam no jardim-escola quando Sócrates era primeiro-ministro.
Antes de chegar a comitiva de Ventura, um carro de campanha de João Ferreira circulava continuamente nas imediações, debitando uma mensagem áudio pré-gravada. “Não é a música do Partido Comunista, nem os protestos de bandeiras coloridas nem das minorias subsídio-dependentes, nem gritos ridículos” que deterão o Chega. É o próprio líder que o garante, acrescentando que “a ordem será sempre a mesma: vão trabalhar”. “Andam pelo país todo, às vezes a gelar toda a noite, sem que ninguém lhes dê importância”, disse, apesar de ele lhes ter dado bastante.
José Fernandes
Quando não estava a responder aos manifestantes ou a secundar palavras de ordem dos seus apoiantes, Ventura falou de corrupção e prometeu que, se for eleito Presidente da República, impedirá que “quem seja condenado por corrupção se possa recandidatar a outro cargo público”. “A corrupção é um cancro no nosso país e fomos os únicos que propusemos aumentar, se necessário para prisão perpétua, aqueles que roubaram o Estado”, prosseguiu. Garantiu aos albicastrenses que os estava a ouvir e que estaria ao seu lado para que “as minorias não continuem a sorver o dinheiro do Estado”.
José Bernardo, estudante
José Fernandes
José Bernardo, de 23 anos, é albicastrense e estudante na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. “Ventura aproveita-se da desinformação das pessoas e quer trazer de novo um modelo de país que ninguém quer, mesmo as pessoas que o apoiam não querem”, comentou ao Expresso. “Simplesmente essas pessoas não sabem disso. Ele quer tirar poder às minorias, que precisam de ser apoiadas cada vez mais e quer empobrecer a população que precisa mais de ajuda e não de ficar mais pobre”, acrescentou.
“O político mais ameaçado e perseguido desde o 25 de Abril”
No tom bastante mais moderado que adota quando fala aos jornalistas, Ventura recusou que os insultos que dirigiu em Portalegre a alguns adversários políticos fossem insultos. “Não foram insultos. Foi a categorização do sistema político que temos hoje”, explicou, mesmo que na véspera tenha, por exemplo, chamado “avô bêbado” ao secretário-geral comunista. “O que disse foi que estes políticos estão ultrapassados e, quando me referi a Jerónimo de Sousa, era isso mesmo que queria dizer”, justificou-se. Em seguida, queixou-se de ser “o político mais ameaçado desde o 25 de Abril” – “não tenha dúvidas disso” – e também “o mais perseguido”. Quanto aos manifestantes, “não os conhece, como é que sabe que são subsídio-dependentes?”, perguntaram-lhe. “Porque todos os que me atacam são subsídio-dependentes. Não há outra razão para me atacarem”, retorquiu.
José Fernandes
E “porque não vai falar com as pessoas”? Esta pergunta ficou sem resposta. Pressionado pelos seguranças, Ventura virou costas mas ainda arranjou tempo para abraçar e tirar selfies com apoiantes. E ainda para ouvir: “Ventura, és o maior, pá! Acabamos com os corruptos e com os ciganos de todo o país”. O candidato ouviu e cumprimentou o interlocutor. A campanha prossegue, ainda esta quinta-feira, na Guarda. Referindo-se aos manifestantes, Ventura tinha dito antes que “gostavam de ir para a Guarda a seguir, mas provavelmente terão de pedir um subsídio ao Estado”.
Um manifestante mais ousado esteve desde o início da concentração a elogiar a gravata vermelha de Ventura. “Pelo menos tem uma gravata bonita. É a única coisa que se aproveita”, foi dizendo, o que lhe valeu o cerco muito próximo da segurança privada do candidato do Chega. “Dá-me a tua gravata, pá!”, pediu ainda. Ventura não lha deu.