Marcelo interrompe 'recato' para falar sobre crise nos media: “O Estado pode e deve estar atento”
Festival de Podcasts Expresso. Podcast Expresso da Manhã com Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Baldaia.
Nuno Fox
Presidente anda há anos a alertar para os riscos no setor - em 2020 chegou a defender que o Estado devia "apoiar a sustentabilidade dos media” - e agora diz que “é o momento” de chegar “a entendimentos de regime”. Marcelo discursa esta quinta-feira no Congresso dos Jornalistas
Não é só António Costa que prometeu entrar em “recato” após ter sido dissolvida a Assembleia da República. Também Marcelo Rebelo de Sousa tem andado ausente da rua e dos media, mas esta quinta-feira abrirá uma exceção para falar no Congresso dos Jornalistas sobre a grave situação que se vive no setor.
Com o Congresso dos Jornalistas, que decorre em Lisboa entre esta quinta e domingo, já em marcha, o Presidente avisou que “é fundamental olhar enquanto é tempo”, porque “repetem-se os diagnósticos, a situação piora, vai piorando, e depois é rigorosamente irrecuperável”. E hoje irá ao Congresso dizer o que pensa do papel do Estado no setor.
Pessimista sobre o ponto a que se chegou, Marcelo disse nos Prémios Gazeta que “Isto não está mal, está muito mal”. E dramatizou o que está em causa: "É um risco para a democracia, como é um risco não se perceber que um sistema democrático jovem pode parecer-se aceleradamente com sistemas envelhecidos", caso a comunicação social não cumpra ou fraqueje na sua função.
“Demorou tempo a mais a chegar”
Marcelo Rebelo de Sousa soma discursos sobre o tema desde que chegou a Belém. Logo em 2017, estava no palácio há apenas um ano, o Presidente foi ao 4º Congresso dos Jornalistas dizer que “Este congresso demorou tempo a mais a chegar” e avisar que "a precariedade enfraquece a vossa profissão”. E um ano depois, para assinalar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, publicou uma mensagem na sua página oficial, onde voltava a alertar para os novos desafios do setor, aconselhando a “Nunca dar por garantida” a liberdade.
“A velocidade da informação, a aparente facilidade com que hoje todos temos acesso a tantos meios, a manipulação das redes sociais, os constrangimentos económicos, a precariedade laboral, são realidades de hoje que podem pôr em causa dois valores fundamentais para que a liberdade de imprensa seja exercida: a verdade e o pluralismo”, escrevia o Chefe de Estado em 2018.
Em 2021, no lançamento de um livro da jornalista Maria João Avillez, Marcelo insistia no seu mantra de sempre - "não há democracia forte sem liberdade de imprensa forte" - e mais recentemente, em finais de 2023, já com problemas no grupo Global Media, evitou comentar a situação de greve que se vivia na TSF, mas referiu-se ao “problema global”, para contar: "Ouço até de chefes de Estado e chefes de Governo de outros países, sobretudo democráticos, obviamente, que as democracias são mais fracas quando a comunicação social está mais fraca".
Sobre a crise na Global Media, onde se têm sucedido atrasos nos pagamentos de salários e demissões de direções editoriais, o Presidente foi chamado a terreiro pelo CEO da empresa, José Paulo Fafe, que numa audição no Parlamento acusou Marcelo de ter manobrado contra a nacionalização da Lusa posta em marcha pelo Governo de António Costa, e que se traduziria num encaixe financeiro de milhões para a Global Media. Mais, o gestor diz ter mensagens do Presidente a apoiar essa solução, antes de alegadamente a ter contrariado.
Não sendo expectável que Marcelo Rebelo de Sousa vá comentar este assunto, fica o que indiretamente deixou de resposta nos Prémios Gazeta:“É fundamental olhar enquanto é tempo e para o ano nos encontremos sem estes despedimentos, sem estes não pagamentos de salários, sem esta indefinição em que ninguém é responsável, não é o proprietário, não é o gestor, não é o financiador, não é ninguém com responsabilidades administrativas, morreu solteira a culpa.” Acrescentando que “às tantas só falta dizer que os responsáveis são os jornalistas. Para que quiseram ser jornalistas e escolheram a porta errada?”.
Aguardado com expetativa, o discurso do Presidente abrirá esta quinta-feira o Congresso, onde a sustentabilidade financeira dos media estará em análise, a par de eventuais novas formas de financiamento dos meios de comunicação social. E que terá logo de seguida um painel com jornalistas dos vários órgãos da Global Media para o qual há a expectativa de que Marcelo fique na sala.
Numa altura em que surgem vozes em defesa da nacionalização da Global, solução que está longe de ser pacífica e que, pelo contrário, tem merecido forte contestação, o ministro da Cultura, que tutela o setor, já veio dizer que só faz sentido pensar em apoios transversais e não pontuais. A posição do Presidente não deverá andar longe.