Marcelo pede recuperação do tempo de serviço dos professores e avisa que não abdica da dissolução numa "legislatura patológica"
Rui Ochôa/Presidência da República
Presidente diz que Governo perdeu muito tempo e que está mais pessimista sobre o crescimento económico. “Sou mais copo meio vazio”, disse em entrevista à RTP e ao Público, em que também deixou avisos sobre TAP, manifestou “desilusão” com os bispos, defendeu ser “óbvio” que padres suspeitos devem ser afastados e reconheceu que ainda não há “alternativa política” ao atual executivo
O Presidente da República considera que o Governo “perdeu praticamente um ano” e tem mostrado ser “uma maioria requentada”, mas também disse que ainda não há “uma alternativa política”, embora possa já haver uma maioria aritmética de direita. Em vários momentos da entrevista usa mesmo a expressão “patológica”para falar da legislatura, admitindo dissolver o Parlamento se algum factor agudizar a situação política. “Se acontecerem coisas que são do outro mundo, o Presidente tem até ao dia 9 de Setembro de 2025 o poder de dissolução. Deseja utilizá-lo? Não deseja, por várias razões: temos uma guerra, temos crises económicas emergentes, temos um PRR que, na minha visão está atrasado. A minha orientação é essa. Se sentir que realmente há uma coisa patológica excepcional, então pondero isso”, afirmou em entrevista à RTP e ao Público, esta quinta-feira.
"Estamos a gerir o dia--a-dia e a olhar para o curto prazo e não para o médio prazo”, lamentou o Presidente da República, que compara o atual governo á segunda maioria absoluta de Cavaco Silva. “É uma maioria que nasce já com o desgaste de seis anos de governo e teve praticamente um ano perdido numa legislatura um pouco patológica, porque eram quase quatro anos e meio, mas é mentira porque são três anos e um é ano de eleições. Mas foi um ano praticamente perdido”, afirmou Marcelo, que considera que ainda não é muita a contestação social, mas defende a continuação de negociações com os professores que envolvam a recuperação gradual da contagem do tempo em que as carreiras foram congeladas.
“Tem de haver um acordo e o acordo tem de incluir, além dos pontos sectoriais em que já houve acordos parcelares ou aproximações de pontos de vista, duas questões fundamentais: a recuperação do tempo de serviço. A recuperação integral, financeiramente, não penso que seja possível neste momento, mas alguma recuperação nos tempos de dois anos e tal. Porque não fasear a recuperação?”, sugere o Presidente
Com a inflação alta, o Presidente considera que estão a ser os carenciados os mais atingidos. “O Governo está numa de afinar à medida que a situação vai evoluindo. Não quer criar uma cise nas finanças públicas, não quer galopar na divida pública. O mais fácil é recorrer a injeções, como a injeção no fim do ano passado que, no fundo, corresponde ao meio ponto de crescimento económico que tivemos no início do ano””, avalia. Quanto ao que pensa, valoriza o equlíbrio das contas públicas, mas acha que é preciso mais apoio social.
“Sou mais pessimista do que a perspetiva do copo meio cheio. Acho que está meio vazio. Sou mais copo meio vazio”, afirmou, defendendo que “tem de ser maior” a intervenção social.
“Hoje até estou a por muito pouco a mão por baixo” do Governo, disse o Presidente quase a meio da entrevista, mas acabando por reconhecer que o António Costa tem apanhado situações muito difíceis, como a crise bancária, a pandemia e a guerra. “Não há muitos governos que tenham apanhado tanta coisa junta”, disse.
Procura de consenso nos “melões” da habitação
Um dos temas de que o próprio Presidente tinha prometido falar esta quinta-feira era a habitação. Começou por uma graça. tinha dito que o pacote do Governo era como os “melões”. Agora, “há dois melões, o melão do Governo e o do PSD. Só que o do Governo está aberto, o do PSD ainda não está aberto”, afirmou Marcelo, saudando que “os grandes partidos alternativos" terem propostas para esta área. "É de louvar que ao fim de sete anos, o Governo tenha apresentado um pacote esta dimensão”, ironizou.
“Do melão do Governo, já podemos retirar algumas ideias e a primeira ideia que eu retiro é que dar sete dias para discutir não sei quantos diplomas, depois de sete anos de espera, É uma coisa do outro mundo! Passei horas e horas e horas a ler. Houve debates amplos, ideológicos, doutrinários, mas sobre os textos não era possível”, continuou o Presidente que, apesar de ainda não conhecer os articulados propostos pelo PSD, considera que há pontos de possível convergência.
“Vou olhar para isto vendo o consenso que é possível fazer, o debate público que é possível ainda prolongar um pouco mais e o debate no Parlamento. A pior coisa que podia haver era votar leis a correr no Parlamento, numa matéria desta natureza e com esta incidência no futuro. Vou olhar sobretudo para a eficiência do que é proposto. Dir-me-ão: mas não vai olhar para a constitucionalidade? Também vou”, perguntou e respondeu a si próprio. e apontou um eventual problema constitucional: “na coincidência da definição de casa devoluta que vinha na Lei de Bases da Habitação de 2019 e agora na que é apresentada”.
Já no que diz respeito ao arrendamento coercivo, o problema que encontra é sobretudo de exequibilidade. “Para mim o fundamental não é o problema doutrinário ou ideológico. É saber se as fórmulas que propõem são concretizáveis”, afirmou, deixando o aviso: “É muito bonito fazer leis, mas depois as leis não se aplicam.”
TAP: foco em Medina
Depois de seis dias sem responder a perguntas, Marcelo guardou dois temas para esta entrevista: a reação ao relatório da Inspeção Geral de Finanças (IGF) sobre a indemnização a Alexandra Reis e à conferência de imprensa da Conferência Episcopal Portugal (CEP) sobre abusos de menores. No que diz respeito à TAP, considerou uma “supresa” o relatório da IGF e avisou que o foco vai estar em Fernando Medina, Mas, eplo meio, deixou farpas a Costa pela “ligeireza” com que escolhe membros do Governo.
“Para ser muito sincero, acho que o Governo tem de ter a noção que vai ser, daqui até ao fim das suas funções, alvo de um escrutínio rigorosíssimo neste tipo de questões, na escolha do pessoal político. E bem. E que há, naturalmente,personalidades cimeiras: a seguir ao primeiro-ministro, o ministro das Finanças é porventura o ministro mais importante do Governo neste momento. Portanto, vai haver obviamente uma concentração de foco sobre ele”, avisou o Presidente, que tem vindo a salvaguardar Fernando Medina de consequências políticas deste caso.
Quanto ao relatório da IGF e às consequências jurídicas,"foi uma surpresa descobrir que afinal aquilo tinha tido a forma, muito original juridicamente, de uma renúncia acordada". “Isso não sei o que é. A renúncia significa um acto unilateral da pessoa que se vai embora e, por definição, não é um acordo. Não há, no direito público, esse tipo de acordos – há nos privados. Mas não há no estatuto do gestor público”, disse, lembrando que até já foi funcionário da IGF.
Marcelo aproveitou ainda para lembrar a necessidade de certos formalismo. “Quem pode fazer cessar as funções de chairman e de CEO é a Assembleia Geral, não é um despacho governamental”, disse, realçando que é preciso respeitar o processo forma e, numa bicada a Pedro Nuno Santos, não despachar através de uma mensagem de telemóvel.
Quanto ao outro assunto que guardou para esta quinta-feira - os abusos de menores na Igreja - Marcelo foi duro com os bispos, considerando uma “desilusão” a posição da Conferência Episcopal Portuguesa. “Ficou aquém em todos os pontos que eram importantes”, disse. O mais grav e para o Presidente foi os bispos terem “ficado aquém" na responsabilização.
“Ficou aquém ao não assumir a responsabilidade. Para mim, é o mais grave, pois se qualquer associação desportiva, cultural, qualquer instituição social, IPSS, misericórdia, responde pelos actos que são individuais e legais e criminais dos seus membros, como é que não responde a Igreja Católica por actos praticados por alguém que, além de invocar o múnus da fé, é representante de uma Igreja, certificado, legitimado, mandatado para falar sobre uma sua missão pastoral?”, perguntou, sem perceber “qual é a hesitação” em tomar medidas cautelares. Para o Presidente “é óbvio” que os padres suspeitos de abusos sexuais de menores devem ser suspensos preventivamente do desempenho público do seu ministérios.
“A Conferência Episcopal passou ao lado destes problemas todos e isso a mim, como Presidente da República, preocupa-me porque a Igreja é uma instituição fundamental na sociedade portuguesa, na educação, na saúde, na unidade social. Faz falta ao país. E se de repente sofre na sua confiabilidade, na sua credibilidade, numa questão tão básica, isso depois repercute-se na vida dos portugueses”, lamentou Marcelo.
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