Tal como se previa, o Banco Central Europeu (BCE) comunicou uma subida da taxa de juro em 25 pontos-base, esta sexta-feira. A principal taxa diretora passou para 4,5% e a taxa de remuneração de depósitos do sector bancário subiu para 4%. Assim, dá-se a décima subida consecutiva numa altura em que os partidos já tinham chamado à atenção para o peso do crédito à habitação no rendimento das famílias.
Com a comunicação do BCE a sair minutos antes do final da reunião do Conselho de Ministros, Mariana Vieira da Silva foi questionada sobre o aumento das taxas de juro. “O Governo por várias vezes já deixou comentários sobre a política do BCE, não vou acrescentar nada”, respondeu aos jornalistas. Ao lado de Manuel Pizarro – que comunicou as decisões da reunião que tinha a saúde como tema –, ministra da Presidência fez questão de lembrar os diplomas que António Costa irá aprovar na próxima semana, no novo Conselho de Ministros, relativos ao crédito de habitação que “pretendem responder, e agora de forma atualizada, às necessidades das famílias”.
Ao longo da tarde, os vários partidos vão reagindo a este aumento das taxas de juro.
PS considera aumento “contraproducente”
Depois do Governo, foi a vez do PS reagir à comunicação do BCE. Eurico Brilhante Dias considerou o aumento das taxas de juro “contraproducente”. “Aquilo que temos vindo a dizer é que [a subida das taxas de juro] não penaliza apenas as famílias, penaliza as expetativas dos agentes económicos quando sabemos que esta inflação tem uma raiz energética, nos alimentos e na guerra”.
O presidente do grupo parlamentar socialista reforçou também os “impactos diferenciados” que este aumento significa para os Estados-Membros da União Europeia. “Nem todos os Estados-Membros têm a mesma estrutura de crédito à habitação que Portugal onde a Euribor tem um peso significativo”, lembrou.
BE quer lucros da banca para baixar prestações
"No jogo dos juros sai sempre o prémio à banca. Os bancos apresentam no primeiro semestre deste ano mais de dois mil milhões de euros de lucros, muito por causa do aumento das taxas de juro. E quando eles ficam a ganhar e as famílias a perder, o Governo aceita esta desigualdade ao não tomar posição, aceita este ataque do Banco Central Europeu, aceita esta gula dos bancos.", disse Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda.
"É indispensável que o governo garanta que os bancos são chamados a usar esses lucros para baixar o crédito da habitação, a prestação das famílias. Sem essa lei continuaremos a ter o bodo aos ricos, sendo os ricos os bancos desse país patrocinado pelo BCE e aceite pelo governo português", continuou o dirigente bloquista para quem "este jogo do BCE é apenas e só um negócio para a banca lucrar".
“O governo pode e deve fazer aquilo que já rejeitou uma vez ao BE e que agora se torna incontornável, que mediante o aumento das condições do crédito, da taxa de esforço das famílias, mas também mediante estes lucros absolutamente obscenos que a banca está a registar, que os bancos sejam obrigados a renegociar a prestação das famílias.”
Na conclusão, um tiro ao executivo de Costa: "Não pode dizer que está muito preocupado com a situação social do país e até contrário à posição do BCE e depois não defender as famílias".
"Era importante que o Governo fizesse ouvir a voz dos portugueses em Frankfurt, diz o PCP
O PCP apostou na mesma linha de críticas – quer à banca, quer ao governo. O deputado Duarte Alves sublinhou que esta decisão do BCE “dá razão” aos comunistas e às propostas já apresentadas para fazer face ao aumento do custo de vida – nomeadamente a “limitação dos preços” da energia e do retalho para compensar “as margens de lucro cada vez maiores” nestes setores, apontou o deputado.
“Através da sua atuação no mercado, a Caixa Geral de Depósitos pode ter um papel para garantir a redução das prestações da casa”, acrescentou o parlamentar, referindo-se a uma ideia já apresentada pelo PCP. “Somos mais prejudicados [pela flutuação da Euribor] do que outros países europeus (...). E era importante que o Governo fizesse ouvir a voz dos portugueses em Frankfurt”, realçou Duarte Alves, já depois de insistir no “aumento dos salários e das pensões.”
Chega crítica Governo "subserviente a Frankfurt” e quer “contribuição extraordinária sobre a banca”
“Esta medida mostra como meia-dúzia de burocratas em Frankfurt conseguem dominar Nações”, reagiu Rui Afonso, do Chega. O deputado considera este aumento das taxas de juro um “momento de chantagem” de Christine Lagarde aos países que fazem parte da zona euro. “Não houve preocupação com os problemas sociais que estão a atravessar muitos países da zona euro, nomeadamente o nosso”, acrescentou.
O deputado do Chega eleito pelo Porto considerou ainda “inadmissível” e uma “vergonha” que existam “centenas de milhares de portugueses a sufocar” enquanto os bancos somam milhões de euros. “Temos de dizer basta aos lucros da banca. Os cinco maiores bancos portugueses lucraram quase mil milhões de euros à custa do aumento das taxas de juro”, defende. Isto enquanto “centenas de milhares de portugueses” estão a “sufocar” porque “não têm dinheiro para a alimentação” e são obrigados a “escolher entre pagar renda da casa ou medicamentos ou os livros para os filhos".
“Temos de ter um Governo que não seja subserviente a Frankfurt. Não basta enviar cartas, é preciso um Governo que se imponha à política monetária do BCE”, atira Rui Afonso. Para dar resposta, o Chega irá apresentar um projeto de lei, na próxima semana, para a aplicação da contribuição extraordinária sobre os lucros da banca, à semelhança do que acontece na grande distribuição e no setor da energia.
CDS quer juros do crédito à habitação dedutíveis no IRS
Em comunicado enviado às redações, o CDS defende que “os juros com o crédito habitação devem ser abatidos no IRS”, uma forma de “aliviar as famílias portuguesas cada vez mais estranguladas com o aumento dos custos com a sua habitação”.
Lembrado que "a divida pública cresceu 50.000 milhões de euros desde 2015, o que só por si representa o aumento significativo dos juros pagos pelo Estado com o dinheiro dos portugueses", o partido liderado por Nuno Melo faz as contas: “Os portugueses ainda irão pagar mais de 7.000 milhões de euros em juros no ano de 2023 pela divida publica crescente, o que impedirá na prática a redução da carga fiscal sobre as familia”.
PAN denuncia “insensibilidade” do BCE e pede “travão na subida do crédito à habitação”
O PAN acusou o BCE de “insensibilidade” para com a “asfixia” das famílias. “Temos defendido que, de uma vez por todos, o BCE tinha de ter sensibilidade para a situação diferente de cada Estado-Membro. Portugal não tem mesma facilidade em lidar com este aumento, ao mesmo tempo do aumento do custo de vida”, disse ao Expresso Inês Sousa Real. Perante este cenário, a deputada única reforçou a importância da maioria socialista “acolher” algumas das propostas do PAN para a habitação como o “travão na subida do crédito à habitação” ou o impedimento de penhoras de casas para evitar uma “onda de despejos”.
Para os jovens, Inês Sousa Real também defendeu medidas “no crédito bonificado” e um alargamento do programa Porta 65. A deputada única defendeu ainda uma “renegociação” do crédito à habitação de forma a “não prejudicar as famílias”.
Livre acusa BCE de insistir “numa receita errada”
“O Banco Central Europeu insiste em receitas velhas para responder a uma inflação nova”, defende em nota enviada ao Expresso, o Livre. “É incompreensível que o BCE insista numa subida tão agressiva dos juros, com o intuito de arrefecer a procura, que não é o que está a provocar esta inflação. Com isto, o BCE pode estar a deitar gasolina em vez de água para cima da fogueira e a acrescentar recessão e desemprego a uma inflação que, está visto, não pode ser atacada só com uma subida desenfreada dos juros”, lê-se na nota do partido liderado por Rui Tavares.
Sobre o Governo, o Livre deixa a acusação: “Não planeia nem se prepara”. “Continua a não tomar em mãos aquilo que está ao seu alcance para apoiar as pessoas e as famílias e defender as suas carteiras. A título de exemplo, faz por esta altura um ano que o LIVRE apresentou uma proposta para obrigar os bancos a disponibilizar taxa fixa no crédito à habitação, proposta essa que o PS rejeitou, para depois anunciá-la como sua no dia seguinte, não tendo nunca avançado para a sua implementação”, lê-se.
"As famílias precisam de soluções", diz Montenegro
“Novo aumento das taxas de juro: as famílias precisam de soluções, não de mais proclamações”, escreveu, no twitter, Luís Montenegro. O líder social-democrata deixou ainda a dúvida: porque Governo e PS não aprovam as medidas propostas pelo PSD para quem teve créditos à habitação a subir?
E explicou quais: “fixação temporária das prestações no valor de abril deste ano. Diferencial transferido para o final: últimos 5 anos, em 1 prestação adicional, ou por alargamento do prazo#” e “reforço da dedução em IRS dos juros pagos com crédito habitação e alargamento para contratos posteriores a 2011.”