O presidente da Assembleia da República classificou hoje como inaceitável o ato do deputado do Chega Filipe Melo que na quinta-feira “enviou beijos” à deputada do PS Isabel Moreira enquanto exercia funções de vice-secretário da Mesa do Parlamento.
“Entendo que o respeito entre os deputados é um pilar fundamental do funcionamento da nossa democracia parlamentar, e os membros da Mesa têm deveres acrescidos, deveres de isenção, de urbanidade, de proteção do direito de todos os deputados a expressarem-se e, de algum modo, de nunca condicionar o debate democrático”, advertiu José Pedro Aguiar-Branco, antes do início dos trabalhos parlamentares.
O aviso surgiu depois de na quinta-feira, durante um debate agendado pelo Chega acerca dos incêndios, a deputada do PS Isabel Moreira se ter queixado que o vice-secretário da Assembleia da República Filipe Melo, do Chega, lhe “enviou beijos”.
Aguiar-Branco afirmou que só teve oportunidade de ver as imagens do episódio na noite de quinta-feira, já depois do plenário.
“É inaceitável”, acrescentou, num momento em que Filipe Melo estava a exercer funções ao seu lado na Mesa, dando conta de que irá participar o episódio à Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados.
O presidente da Assembleia da República salientou que os membros da Mesa “não podem, nem devem, nem por gestos, nem por palavras, nem por qualquer outro meio, mandar calar um deputado ou condicionar aquilo que é o uso da palavra por um senhor deputado ou deputada”.
“Aquilo que se passou ontem, em relação à senhora deputada Isabel Moreira, no entender do presidente, não deve nem pode acontecer”, sublinhou.
O líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, pediu a palavra para dizer que compreendia que os membros da Mesa têm deveres, “mas os membros da Mesa também não podem ser provocados por alguns deputados”.
“Acontece muita vez, inclusive com o vice-presidente da Assembleia da República, o senhor deputado Diogo Pacheco de Amorim, que também muitas vezes é provocado pelas bancadas da extrema-esquerda. Portanto, isto aqui é direitos iguais, se lá em cima não podem provocar, cá em baixo também não podem provocá-la”, considerou.
Na resposta, Aguiar-Branco disse que o deputado tinha “toda a razão” e pediu que lhe fossem reportados esses episódios, mas voltou a sublinhar que, “ainda assim, há uma responsabilidade acrescida dos membros da Mesa, para que isso não aconteça” – momento em que foi aplaudido por todas as bancadas exceto a do Chega.
A deputada do PS pediu a palavra na quinta-feira para fazer esta interpelação à Mesa durante um debate sobre incêndios e bombeiros, agendado pelo Chega. Filipe Melo, vice-secretário, estava sentado na Mesa da Assembleia da República, à esquerda do presidente, José Pedro Aguiar-Branco.
“Senhor presidente, o vice-secretário que está à sua esquerda [Filipe Melo] está a fazer gestos com a boca enviando-me beijos e a fazer assim com o dedo no nariz, a fazer ‘xiu’, como quem diz, ‘não conte, não conte’”, afirmou a deputada, que salientou: “Há limites, senhor presidente, há mesmo limites.”
O presidente da Assembleia da República disse na altura não ter visto este comportamento e que a comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados iria ter de se pronunciar.
“Registo e farei o devido envio para a comissão”, indicou.
Isabel Moreira partilhou nas redes sociais o vídeo da intervenção de Aguiar-Branco no início dos trabalhos de hoje. “Há anos que várias deputadas denunciam comportamentos inaceitáveis por parte de deputados do Chega. Tentam intimidar, silenciar, assediar e ofendem. Os testemunhos acumulam-se num Parlamento que tolera a misoginia, uma das maiores causas de morte em Portugal. É uma constante na casa da democracia. Ontem aconteceu a partir da mesa. Da mesa, da mesa que dirige os trabalhos”, escreveu a deputada socialista.
“Não está em causa apenas a minha pessoa, mas sobretudo o Parlamento, a democracia, a legitimação na casa do povo da mensagem mais perigosa que se pode passar a todas as raparigas ainda meninas e mulheres adultas”, acrescentou Isabel Moreira, para quem “foi um passo importante esta tomada de posição do presidente da Assembleia da República”.