Na segunda ronda de encontros da ministra da Justiça com os partidos com assento parlamentar sobre o pacote anticorrupção, Rita Júdice ainda não levou propostas concretas para combater a corrupção. É o que acusam os partidos e a própria ministra reconheceu, invocando o facto de a agenda anticorrupção ainda não terem sido aprovadas em Conselho de Ministros - o que irá acontecer na quinta-feira - para não as divulgar em concreto.
“Esperemos que seja aprovada e na quinta-feira possa, então, ser tornada pública. Viemos dar nota disso aos grupos parlamentares e pedir-lhes que mantenham, naturalmente, este canal aberto de conversas e de futura colaboração”, afirmou a ministra em declarações aos jornalistas no fim dos encontros com os partidos.
Rita Alarcão Júdice adiantou ainda que o pacote anticorrupção prevê “mais de 30 medidas” e que está assente em “três eixos – prevenção, educação e repressão”. “Toca muitos ministérios. Vai além do Ministério da Justiça. Por isso, vamos ouvir, discutir, colher as perceções dos ministros que estarão presentes no Conselho de Ministros e, desejavelmente, tê-la aprovada”, afirmou a ministra, que admitiu não levar todas as medidas ao Parlamento.
“Temos de fazer o melhor que podemos, procurar consenso em matérias que são transversais e foi isso que procurámos. Em matérias que nós entendemos que não são tão consensuais ou que possam criar mais resistência, provavelmente também não serão apresentadas aqui no Parlamento. Vamos ter de gerir da melhor maneira”, afirmou Rita Alarcão Júdice.
Antes de a ministra falar, ao longo do dia, os partidos foram saindo das reuniões e apontando a sua insatisfação com o que consideram a falta de concretização por parte do Governo.
A líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, queixou-se de falta de diálogo e disse que as propostas apresentadas pelo Governo no âmbito do pacote anticorrupção são “muito vagas”. “Continuamos expectantes a ver qual é o passo seguinte nestas conversas, que para ser fraca, não têm muito de produtivo. As ideias apresentadas são muito vagas, há pouco diálogo. É um bocadinho uma coisa unilateral”, afirmou Alexandra Leitão, em declarações aos jornalistas nos Passos Perdidos, após o encontro com a ministra da Justiça. Segundo a líder da bancada socialista, o Executivo promete entrar “em contacto”, mas "não entra", esperando que possa haver mais abertura ao diálogo.
“Estamos disponíveis, mas até agora não há nada que, efetivamente, concreto nos tenha sido pedido para contribuir, para trabalhar, para apresentar propostas, nada. O que houve foi traços muito gerais que irão ser aprovados no Conselho de Ministros (CM), em termos que também ainda não estão fechados dentro do próprio Governo e que depois virão para a Assembleia da República (AR), que é coisa que nós já saberíamos, porque nos termos da Constituição têm que vir para a AR"
A deputada do Chega Cristina Rodrigues sublinhou que na reunião anterior foi entendido que o Executivo estaría a preparar um programa anticorrupção “mais robusto”. "Isso não irá acontecer”, garantiu a deputada Cristina Rodrigues, do Chega, à saída da reunião esta terça-feira no Parlamento.
“Esperávamos que fossem já propostas concretas”, lamentou Cristina Rodrigues, manifestando que os deputados do Chega saem “satisfeitos” com dois dados avançados pelo Governo na reunião: a vontade de regulamentar o lóbi e alterações no confisco de bens.
“Outro ponto muito relevante diz respeito ao confisco de bens que foi outras da prioridades do Chega”, disse a deputada sem, contudo, revelar se o Governo vai tão longe quanto André Ventura queria no seu programa eleitoral, que incluía a possibilidade de usar bens confiscados a suspeitos de corrupção mesmo sem condenação ter transitado em julgado.
Em entrevista ao Expresso, o líder do Chega chegou a admitir problemas de constitucionalidade nessa medida, mas defendeu que “pode ser exequível”.
Já noutras propostas do Chega, a deputado disse “não haver interesse” do Governo, nomeadamente na alteração de prazos de prescrição e no aumento de penas. Também não haverá, segundo Cristina Rodrigues, vontade de impor a interdição de desempenho de cargos públicos a condenados por corrupção.
“Só assim podemos prevenir novos casos de corrupção”, defendeu a deputada.
Já a líder parlamentar liberal, Mariana Leitão, revelou que haverá pontos associados ao Portal BASE para facilitação de um "maior acesso à informação que deve ser pública e consultável”, além da regulamentação da lei do lobbying (representação legítima de interesses).
"É algo que já propusemos na AR diversas vezes e foi também uma matéria que voltámos a apresentar à ministra da Justiça em abril e que penso que seja uma matéria importante que vai ao encontro daquilo que nós entendemos ser necessário. A nossa expectativa é que, obviamente, estas matérias também sejam lá abordadas", afirmou a deputada liberal, citada pela Lusa.
Mariana Leitão confirmou ainda que o pacote anticorrupção será levado a Conselho de Ministros já nesta quinta-feira: "Só após essa discussão é que haverá um documento final para analisarmos. Foi possível perceber que algumas das nossas propostas foram acolhidas", observou ainda.
Pelo BE, Fabian Figueiredo lamentou que o Executivo “não olhe para o combate à criminalidade financeira - que se alimenta da opacidade das offshore - como uma prioridade”. Para o líder da bancada bloquista é um “erro”, sendo vital que esta matéria constasse do pacote anticorrupção que está a ser ultimado.
“É sabido a nossa discordância relativamente à regulamentação do lobbying, como sendo um mecanismo de combate à corrupção”, sinalizou, por sua vez, o comunista António Filipe, recusando adiantar mais pormenores sobre a reunião com o Executivo.
A deputada única do PAN, Inês de Sousa Real, disse, por seu turno, que foi com “algum agrado” que percebeu que houve uma “aproximação” a propostasdo partido, a começar pela regulamentação do lobbying e o aumento da transparência.
Nota: texto atualizado às 19h com as declarações da ministra depois das reuniões com os partidos.