O cenário repete-se, na mesma localização e com os mesmos protagonistas, apenas um ano e dois meses depois, como lembrou o jornalista Carlos Daniel: por que motivo, então, há novas eleições tão pouco tempo depois? Quem as podia ter evitado? Porque chegámos aqui? A pergunta que abriu o debate a oito na RTP ditou o tom do confronto entre os líderes partidários: Luís Montenegro a dizer que agiu sempre de "boa-fé" e que tudo o resto é "luta política", e toda a oposição a dizer que só há eleições porque Luís Montenegro "fugiu ao escrutínio".
Foi Luís Montenegro quem começou por responder sobre a atualização que fez à sua declaração de interesses após pedido da Entidade da Transparência, dando a conhecer sete novos clientes da sua empresa familiar, como o Expresso noticiou. Sobre isso, contudo, Montenegro limitou-se a dizer que a informação que agora disponibilizou não era informação que estava em falta, na sua ótica. "Foram pedidos esclarecimentos adicionais, limitei-me a dar sequência a esses pedidos", disse, insistindo que sempre "cumpriu" as suas obrigações declarativas e atribuindo a culpa pela crise política aos "partidos que entenderam que o governo não dispunha de condições para executar o seu mandato". "Fiz tudo de boa-fé, dentro dos parâmetros da lei. Nunca tive nenhum comportamento ilegal", acentuou, dirigindo-se muitas vezes diretamente para os telespetadores.
Os partidos, contudo, não concordaram com essa premissa. "Um primeiro-ministro não foge ao escrutínio, um primeiro-ministro é transparente, assume erros, pede desculpa, não engana as pessoas", começou por dizer Pedro Nuno Santos, voltando a afirmar que Luís Montenegro "não tem a credibilidade nem a idoneidade necessária para a função de primeiro-ministro". Quanto à atualização da declaração de interesses, que Montenegro entregou à Entidade para a Transparência achando que não seria pública no espaço de 30 dias, o secretário-geral do PS não tem dúvidas de que Luís Montenegro "fez tudo para que aquela informação [sobre os clientes da empresa] não fosse conhecida durante a campanha para as eleições". Também Mariana Mortágua fez referência ao facto de ter perguntado sobre os clientes da empresa em perguntas enviadas ao primeiro-ministro desde o início da polémica e nunca teve resposta concreta — resposta que foi agora dada àquela Entidade.
Tanto Mariana Mortágua, do BE, como Rui Tavares, do Livre, disseram ter-se sentido "enganados" quando votaram contra a moção de censura depois de terem ouvido as explicações iniciais de Luís Montenegro, sabendo agora que "nos ocultou informação", disse o porta-voz do Livre. "Eu sou insuspeita, porque acreditei nessa versão que foi contada na Assembleia da República e depois percebemos que não foi nada disso”, acrescentou Mortágua, acusando Montenegro de “arrastar o país para a ideia de mediocridade que é a normalização da promiscuidade entre o setor privado e público”.
Também André Ventura atacou Montenegro, rejeitando a premissa da "vítima". "Não foi o primeiro-ministro que foi vítima de uma moção de censura, o primeiro-ministro é que mandou o país para eleições para evitar o escrutínio. Não é vítima nenhuma de qualquer conspiração parlamentar", atirou o presidente do Chega, afirmando que vai continuar a defender uma comissão parlamentar de inquérito enquanto houver esclarecimentos a dar por parte de Luís Montenegro.
Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, quis colocar a tónica no facto de o seu partido, embora crítico, ter sido o único a colocar o “interesse dos portugueses em primeiro lugar”, ao ter sido o único a viabilizar a moção de confiança apresentada por Luís Montenegro, enquanto Paulo Raimundo defendeu que Luís Montenegro deveria ter apresentado a sua demissão assim que o caso da Spinumviva ficou conhecido, e Inês Sousa Real, do PAN, congratulou, com ironia, Luís Montenegro por ter conseguido transformar um problema pessoal num problema do país: "É um artista, que conseguiu transformar um problema pessoal num problema do país."
Para Luís Montenegro, contudo, tudo não passa de "luta política". "Ninguém aqui vai ser esclarecido porque não quer ser esclarecido", rematou.
"Ziguezagues" e "balbúrdia" no fim de semana em que AD se congratulou pela expulsão de 4500 imigrantes
Um dia depois de o Governo ter anunciado que começaram a ser notificados 4500 imigrantes em situação irregular no país, Pedro Nuno Santos acusou o líder da AD de "eleitoralismo" e "propaganda" para se colar à extrema-direita, por fazer gala de uma situação que decorre do trabalho normal da AIMA. "[Luís Montenegro] está a apropriar-se do trabalho da AIMA para fazer campanha na sua disputa pelos eleitores do Chega", acusou, sublinhando que "nenhum primeiro-ministro no passado fez gáudio ou revelou ter prazer em anunciar que há imigrantes expulsos". Antes do debate, Pedro Nuno tinha falado mesmo na "trumpização" de Luís Montenegro.
Num momento mais aceso do debate, Luís Montenegro disse que o PS é que deixou o país numa situação de "balbúrdia", com 400 mil processos de imigrantes por regularizar, e com as portas escancaradas, sem saber ao certo quem entrava e quem permanecia no país. "O que está a acontecer hoje é o processo de regularização e normalização dos imigrantes", disse, acusando Pedro Nuno Santos de andar aos ziguezagues neste tema, depois de ter admitido, numa entrevista ao Expresso, que o governo PS não fez tudo bem e que a manifestação de interesse já não era um mecanismo útil neste momento.
"Lei é para cumprir — zig, trumpização — zag, manifestação de interesse é para ficar — zig, não fizemos tudo bem — zag", acusou Montenegro, numa crítica ao secretário-geral socialista.
André Ventura, por sua vez, criticou os dois. Primeiro, o PS, por "não ter vergonha" de falar de imigração depois de ter deixado o país numa "bandalheira"; e, depois, Luís Montenegro, por ter defendido uma via verde para imigrantes e por estar apenas a notificar 4500 pessoas para sair. "Até o PS em 2017, notificou mais gente", disse, concordando com Pedro Nuno na acusação de "eleitoralismo". "Além de eleitoralismo, Luís Montenegro está a fazer o mesmo que o PS", disse, acusando os dois de não tomarem medidas efetivas para resolver a imigração "descontrolada": são já "2 milhões de imigrantes num país de 11 milhões".
Na habitação, embora AD e PS concordem no diagnóstico ("é preciso construir mais"), discordam em tudo o resto e atiraram culpas um para o outro, com os restantes partidos a culparem ambos pelo fracasso das políticas neste setor. Na saúde, idem, e no estado da economia, igual: com Luís Montenegro e Pedro Nuno a defenderem os seus caminhos e a oposição em peso a distribuir culpas a ambos: "Não funcionava com o PS, Pedro. E não funciona com a AD, Luís", disse Rui Rocha, referindo-se aos problemas que já havia e que persistem nas urgências e no SNS.
Do debate fica ainda um momento de particular irritação de André Ventura com Rui Tavares quando o candidato do Livre lhe disse que devia pedir desculpa pelas pessoas que cometeram crimes e que levou para o Parlamento, referindo-se aos casos com a justiça da bancada do Chega.
De resto, o debate passou ainda pelo tema da saúde, sem grandes novidades nos posicionamentos dos partidos. O líder do PSD, num tema particularmente sensível por continuar a haver, por exemplo, muitas urgências fechadas, tentou defender-se dizendo que se trata de "uma política em desenvolvimento" porque recebeu o Serviço Nacional de Saúde em mau estado: "O ponto de partida era calamitoso", disse. Pedro Nuno Santos respondeu que a saúde está pior do que há um ano e que neste momento "não temos um SNS em transformação, mas um SNS em deterioração".
No último tema, sobre economia, Luís Montenegro começou por discordar de se estar a falar em "contração" da economia, por ventura confundindo o termo com "recessão": "O tremendismo da expressão contração não é aplicável", disse, recordando os resultados do último trimestre do ano passado e apesar de o jornalista explicar que é o termo técnico para um recuo da economia. "Mantenho o otimismo", disse. Mais tarde, Rui Tavares ainda referiu a Montenegro que pode ser que venha a ter uma "recessão" com o seu nome.
Na resposta, Pedro Nuno Santos diz que efetivamente houve um "recuo" no primeiro trimestre e que isso significa que no final do ano os resultados económicos não podem ser os que estão no programa da AD: "É uma mentira." Para o socialista, as "políticas do PS preparam o país para um cenário de incerteza ou aumento de inflação se continuar a guerra comercial". "É mais realista porque custa metade do da AD." Já André Ventura disse que a previsão da AD é "completamente ilusória" e que o programa é uma "fantasia". E depois diz a Luís Montenegro que efetivamente a economia "contraiu" e ainda por cima "pagamos uma carga fiscal recorde".