Santos Silva alerta PS para risco da convergência à esquerda e aceita "compromissos" com AD
TIAGO MIRANDA
O presidente cessante da Assembleia da República alinha com Pedro Nuno Santos em algumas posições (rejeição de moção de censura do PCP e necessidade de perceber o voto jovem), mas deixa conselhos ao secretário-geral: cuidado na convergência à esquerda. Augusto Santos Silva deixa ainda uma crítica à Igreja
Número 1 do Partido Socialista pelo círculo eleitoral de Fora da Europa, Augusto Santos Silva ainda não sabe se será eleito para o Parlamento, mas tem conclusões a retirar sobre os resultados eleitorais já conhecidos e o novo panorama no hemiciclo.
Num artigo de opinião no “Público”, publicado antes das reuniões da liderança do PS ao longo da próxima semana, o antigo ministro e agora presidente da Assembleia da República em fim de mandato considera que o PS deve ser “oposição responsável”, sem ter de ser o garante da governabilidade, e tendo de “preservar a identidade” à esquerda. Já a Aliança Democrática não pode desbaratar o conseguido pelo PS. É uma proteção do legado de António Costa ao mesmo tempo que coloca a questão da governabilidade à direita.
Liderar a oposição
No seu artigo de opinião no “Público”, intitulado “As eleições: resultados e consequências”, há aspetos em que alinha com Pedro Nuno Santos. Desde logo, o PS “deve assumir a liderança da oposição”, e fazê-lo “com toda a clareza”, depois de perder a maioria absoluta e ficar com menos deputados do que a Aliança Democrática (PSD/CDS/PPM). Faltam apurar 4 deputados da emigração, mas por agora o PS regista 77 deputados e a AD 79. O PS registou uma “derrota”, mas “honrosa”, tendo em conta o contexto político e mediático, defende.
Foi essa posição que o secretário-geral socialista logo defendeu no dia das eleições, ainda só após as projeções tinha sido conhecidas (pela voz do responsável da campanha, João Torres, e depois de viva voz): “O PS não ganhou as eleições, vai liderar a oposição. Nunca deixará a liderança da oposição para o Chega, ou para o André Ventura.”
Nuno Fox
Governabilidade cabe à direita
Estando na oposição, não pode ser sobre o PS que o ónus da governabilidade é colocado, até porque, sublinha Santos Silva, os partidos vencedores o queriam bem afastado do poder.
“Tendo obtido vencimento as várias forças políticas que definiram como objetivo ‘tirar os socialistas do Governo’ (por memória: PSD, IL, CDS, Chega), não se pode pedir ao PS que resolva agora os riscos de ingovernabilidade que elas alimentaram. Lá se entenderão. Como, aliás, mostraram, anteontem, nos Açores”, escreve Santos Silva. Na Região Autónoma, José Manuel Bolieiro conseguiu a aprovação do seu programa de Governo com a abstenção do Chega e do PAN.
“Não é a nós que têm de pedir para suportar um Governo. Não contem com o PS para governar, não somos nós que vamos suportar um governo da AD”, tinha declarado Pedro Nuno na noite eleitoral de 10 de março. O PS tenta afastar de si a responsabilidade de aprovar orçamentos do Estado da AD, mesmo que só em outubro se coloque em cima da mesa a sua votação.
Rejeição da censura imediata
Nessa noite eleitoral, o secretário-geral também declarou que não iria votar a favor moções de censura ao novo Governo. Entretanto, o PCP já anunciou que irá apresentar uma moção desse tipo.
Santos Silva pede ao PS uma “oposição responsável, o que implica não alinhar, como já se deixou claro, com moções de rejeição imediata, ou recusar já o que ainda não se conhece”.
TIAGO MIRANDA
Compromissos na justiça
Já durante a semana Santos Silva se tinha mostrado contra acordos de bloco central (tal como Fernando Medina). Todavia, não assegurar a governabilidade não significa afastar o PS de compromissos com as forças vencedoras.
Escreve Augusto Santos Silva que deve “estar disponível para os compromissos que sejam úteis, por exemplo, na área da justiça, ou indispensáveis, face à União Europeia ou até em finanças públicas, desde que salvaguardados pontos críticos fundamentais, que é preciso deixar bem esclarecidos perante a opinião pública”.
A justiça é um dos exemplos dados por Santos Silva, mas foi precisamente um tema que ficou de fora da campanha eleitoral, apesar de ter sido uma investigação judicial a desencadear o pedido de demissão de António Costa e, depois, a decisão do Presidente da República de convocar eleições.
Cuidado à esquerda
No “Público”, Santos Silva deixa ainda um alerta sobre as conversas à esquerda que foram pedidas pelo Bloco de Esquerda com as forças daquele lado do espetro político. Avisa: “O PS deve preservar a identidade de partido de centro-esquerda, progressista e europeísta, e agir com plena autonomia.”
Essa identidade é “incompatível com qualquer atitude cuja perceção pública possa ser que o PS está a entregar a iniciativa de diálogo e convergência a qualquer força à sua esquerda”. Os socialistas aceitaram conversar, mas quiseram deixar claro que é o PS que irá receber o BE e não o contrário. Aliás, Santos Silva deixou ainda uma forte crítica aos partidos à esquerda do PS, acusando-os de não refletirem: “se houve tanto voto de protesto, porque foi só a extrema-direita a capitalizá-lo?”
Um ataque à esquerda que Pedro Nuno Santos nunca fez em campanha, tendo deixado sempre intacto o espaço para conversas e convergências. Os órgãos da cúpula socialistas começam a reunir-se na próxima semana para fazerem uma análise política aos resultados eleitorais.
Pedro Pina - RTP
O desbaratar da AD
Santos Silva deixou, também, um alerta a Luís Montenegro, utilizando uma palavra muito referida por Pedro Nuno na campanha para tentar colocar a AD a uma ideia de despesismo em benefício de uma minoria: “desbaratar”.
“Espera-se que saiba vencer, não desbaratando a situação orçamental (que tanto nos custou, a todos, conseguir), e não cavando mais as divisões territoriais, socioprofissionais, intergeracionais e de género que estas eleições evidenciaram”, indica no texto de opinião no “Público”. Um aviso deixando quando há notícias sobre as primeiras ações que poderá fazer no poder, ao governar por decreto, com despesas que consiga encaixar dentro do atual Orçamento do Estado para 2024.
Perceber os jovens
No alinhamento com Pedro Nuno Santos, Augusto Santos Silva ainda referiu o voto dos jovens, precisamente um dos últimos assuntos discutidos pelo líder socialista na campanha, quando disse que era necessário perceber porque estes procuraram projetos que vê como de divisão, e não os de cooperação e “empatia”.
“Os resultados mostram o afastamento das novas gerações face aos partidos que percecionam como estabelecidos. É uma grave ameaça para o PS, à qual o PSD não está imune”, escreve o histórico socialista, dizendo que é necessário “reatar o laço intergeracional em perda”, não basta apenas fazer o diagnóstico.
JOSE SENA GOULAO/LUSA
Luta contra xenofobia
No seu texto de opinião, o socialista, que durante o seu mandato muito embateu de frente com André Ventura, considera que é essencial perceber como se divide o eleitorado que deu 48 deputados ao Chega. Divide-os em três grupos: “os que querem mostrar que estão frustrados e zangados”, “os que acreditaram na demagogia do tudo para todos” e os que “comungam da ideologia da extrema-direita, sendo convicta ou superficialmente nacionalistas, xenófobos, machistas, intolerantes, adversários da ação climática e avessos a normas de civilidade e respeito democrático”.
“Engana-se quem sugere alguma transigência com as ideias da extrema-direita, para integrá-la politicamente e reduzir, a prazo, a sua influência social”, escreve. O socialista não acredita que seja com a normalização dos comportamentos que se vai combatê-los.
O reparo à Igreja
E é quando fala destes temas que Augusto Santos Silva deixa uma crítica à Igreja Católica: “Numa campanha com tão fundas questões morais, e perante os resultados, foi estranho o silêncio da Igreja Católica.”