Baleizão é uma aldeia que transpira comunismo pelas paredes. Ou transpirava. Aqui, onde rostos velhos e desgastados pelo campo contrastam com as muitas caras jovens de imigrantes, na sua maioria vindos do subcontinente indiano, a histórica freguesia pejada de símbolos comunistas, em murais e em placas de rua, está a perder a cor vermelha e o partido que antes liderava em todas as eleições, até agora. No coração de Baleizão está a estátua de Catarina Eufémia, a histórica militante comunista assassinada pela Guarda Nacional Republicana em 1954. E é a poucos metros que a sua filha, Maria Catarina Baleizão do Carmo, rodeada de homenagens e monumentos à mãe, nos diz que a vontade do povo da aldeia é um reflexo do resto do Baixo Alentejo.
“Eu acho isto muito natural porque, em 50 anos de democracia, há muita coisa com as quais as pessoas não estão contentes, com os governos, e querem mudar. Aconteceu que agora foi o Chega e as pessoas se calhar foram mais [votar] por uma demonstração de revolta. Depois também há muita gente nova, já não está associada a uma aldeia que é comunista. As coisas evoluem, umas vezes para bem, outras vezes para menos bem. Isto foi a vontade dos votantes e nós temos de respeitar, não há que ver de outra maneira”, considera Catarina.
Pela primeira vez desde que existe democracia em Portugal, o Partido Comunista Português (PCP) não elegeu deputados em Beja. Este ano, a Coligação Democrática Unitária (CDU), que junta PCP e Partido Ecológico “Os Verdes” (PEV), perdeu um terço do seu grupo parlamentar, mais de 30 mil votos, e falhou o objetivo de recuperar os deputados perdidos em Évora e Santarém e a representação do PEV no Parlamento.
Beja é a mais recente derrota do PCP, depois de perder Évora e muitas autarquias. Até 1995, o partido era a maior força política no distrito, sendo substituída pelo Partido Socialista (PS). Mas este ano, com menos 872 votos do que nas legislativas anteriores (de 12.442 em 2022 para 11.570 em 2024), assistiu à consolidação do Chega na região com a eleição de uma deputada, o mesmo número de mandatos que PS e Aliança Democrática (AD). O PCP foi o quarto mais votado, com 15,03%, atrás do PS (31,70%), Chega (21,55%) e AD (16,74%).
Na freguesia mais distintivamente comunista do concelho de Beja, terra que viu nascer e morrer Catarina Eufémia, a CDU caiu de 38,77% para 28,42% e, pela primeira vez, não foi o partido mais votado. O Chega saltou para terceiro lugar, com 22,74%, enquanto que o PS passou a ser a força política preferida de Baleizão com 30,95%.
Com ou sem trabalho, imigrantes geram misto de empatia e revolta
Para Maria Catarina, o crescimento do partido de André Ventura na aldeia e na região deve-se muito à falta de resposta face à chegada de um grande número de imigrantes, que vieram para trabalhos sazonais e que agora são obrigados a esperar até à próxima colheita, sem emprego e com pouco para fazer.
“É um partido da extrema-direita, mas eles dizem coisas que realmente seduzem as pessoas. Em relação à imigração clandestina, é muito, muito mal o que se está a passar. Andam aí os dias inteiros sem trabalhar, vocês foram agora ali ao café, viram ali oito ou nove, vão ali à aldeia de cima e veem dez ou 12 sem fazerem nada, não há trabalhos aqui, são trabalhos sazonais. E eles estão trazendo muitas pessoas e isso revolta-nos”, explica, criticando os empresários que “prometem mundos e fundos” aos imigrantes, “trazem-nos dos países e depois deixam-nos na miséria”.
O retrato traçado não fica longe da fotografia. Por várias aldeias, o Expresso encontrou grupos de homens à espera de trabalho, que lhes foi prometido e que agora não lhes é dado. Ao largo da estrada em Nossa Senhora das Neves, no concelho de Beja, um grupo de pessoas de nacionalidade indiana lamentam a falta de emprego, desesperadas por voltar ao ativo. “Estamos há seis meses sem trabalho. Trabalhamos numa terra agrícola, estamos à espera do nosso empregador, ele diz-nos que no próximo mês nos dá trabalho todos os dias. Eu vim em dezembro de 2023, mas outros estão aqui há dois anos. Estamos todos à espera de qualquer tipo de trabalho. É um problema de toda a cidade de Beja”, diz um dos homens, enquanto alguns procuram evitar as câmaras. Outros repetem, em inglês: “No work, no work”.