Hugo, Joana e Alice engrossam a elevada fasquia dos indecisos para as eleições de 10 de março. Hugo gostava de comprar a primeira casa, Joana quer ver a enfermagem reconhecida; Alice defende os professores e o fim das propinas
Hugo Manique, 24 anos, está num dilema. Por um lado, pensa que faz mais sentido votar na AD ou na Iniciativa Liberal por entender que preconizam o plano económico que faz falta ao país; por outro lado, os líderes com quem mais simpatiza são Rui Tavares (Livre) e Inês Sousa Real (PAN).
Sorri. “Talvez esta minha indecisão advenha da inexperiência política”, justifica o consultor de informática da Figueira da Foz, que viveu o tempo a faculdade em Lisboa, mas que agora se viu obrigado a ir morar para o Carregado porque os preços da habitação na capital são incomportáveis para o seu bolso.
E, se está indeciso em relação ao partido que merecerá a sua escolha no próximo dia 10 de março, há uma questão que não lhe merece dúvidas: a habitação é um dos principais problemas com que os jovens adultos se debatem – consequência também dos baixos salários, que não permitem pagar rendas acima de mil euros ou adquirir casa própria.
Hugo já fez um apanhado dos programas eleitorais. Quer vê-los mais em pormenor para sustentar a sua decisão. Mas sabe bem o que gostaria que o futuro governo que sair das legislativas faça para resolver o acesso à habitação, sobretudo para quem está em início de vida: “É preciso criar apoios aos jovens que querem aceder à primeira habitação, cortando taxas e custos e facilitando com os fiadores.”
Além disso, Hugo defende que devia haver muito cuidado a regulamentar o investimento estrangeiro na habitação. Ressalva que não está a falar dos imigrantes que trabalham e descontam em Portugal, mas sim dos compradores provenientes os Estados Unidos e dos países ricos da Europa. “Têm mais dinheiro para adquirir as casas. Estão a tirar lugar a quem precisa, sendo que, ao não estarem cá, não vão contribuir para a economia do país. Podia-se, por exemplo, obrigar essas pessoas a descontar três anos em Portugal”, sugere.
Hugo Manique vai olhar melhor para a alínea da habitação dos programas eleitorais. Mas avança desde logo que não sabe se a solução passará por estabelecer rendas limitadas. Na sua opinião, a primeira medida passaria por aumentar o parque público para fazer concorrência ao parque habitacional privado.
Durante os anos da faculdade, o jovem consultor informático viveu em quartos arrendados em Lisboa. Pagava valores que comparativamente aos atuais até nem eram absurdos – cerca de 300 euros. Quando decidiu arrendar casa, teve que sair da capital. Há uns meses conseguiu um “achado” no Carregado (a cerca de 40 km de Lisboa), onde paga 750 euros por um T2, que divide com a namorada. Os dias em teletrabalho, ajudam-no a poupar em combustível e horas no trânsito. Candidatou-se ao programa Porta 65 e está à espera que o processo avance para ter apoio na renda. Acalenta, contudo, o sonho de comprar a sua primeira habitação para começar a formar “património próprio”.
Joana
“Sou enfermeira há 4 anos e nada mudou”
Joana Agostinho, 26 anos, trabalha num dos setores que mais tinta tem feito correr nos últimos tempos: a saúde. É enfermeira no Hospital de Coimbra desde 2020, quando foi chamada a fazer um part-time por causa da pandemia. Acabou por ficar. Aos seus olhos, a saúde padece de várias doenças e deveria ser uma prioridade para os políticos: dias de espera nas urgências, salários baixos, desvalorização das carreiras…
“Em quatro anos, nada mudou. A enfermagem é uma profissão diferenciada, com uma grande responsabilidade associada, com muitos riscos para o doente, e o reconhecimento é muito pouco. Tenho colegas que ganham o mesmo que eu (1333 euros ilíquidos) e trabalham há 20 anos”, lamenta Joana.
A insatisfação pela forma como a profissão - e o setor da saúde - é tratada reflete-se na indecisão em relação ao voto. Joana, que há dois anos colocou a cruzinha na Iniciativa Liberal, até já pensou votar em branco nestas legislativas porque não se revê em nenhum líder. Espera, no entanto, que a reflexão que promete fazer até ao dia das eleições a ajude a optar por um partido. O PS está posto de parte: “O legado socialista não é o melhor. E será para continuar nesta retórica.”
A jovem enfermeira desfia uma lista de assuntos que gostaria de ver resolvidas na área da saúde: “É preciso tornar as carreiras mais atrativas para todas as classes – enfermeiros, médicos, auxiliares -, com a respetiva valorização salarial.” Acrescenta a progressão nas carreiras. O seu sonho é que aos 40 anos possa chegar ao topo. “Neste momento, isso é uma utopia.” Mas há mais: Joana considera importante classificar a enfermagem como profissão de risco e de desgaste rápido e rever os rácios, o que só será possível com a contratação de mais profissionais.
Como tantos colegas de profissão, Joana Agostinho também já pensou sair do país. Nunca o fez por razões pessoais. A forma que encontrou para engordar os rendimentos é um part-time numa clínica de análises.
Alice
“Vivi o 12º ausente da escola por causa das greves”
Alice Beirão desloca-se pela primeira vez às urnas nestas legislativas. Tem 18 anos e está no início do percurso universitário, em Lisboa. Nunca ligou à política, apesar de ser um tema frequente lá em casa. Falar de política por falar não a convence. “É preciso ser seletivo e interpretar de forma sábia e não nos limitarmos a ouvir o que é dito pelos políticos ou pelas pessoas de uma forma geral.”
As justificações continuam: “É muito, muito fácil ser sugada pelas conversas e pelos discursos sem nos apercebermos. Mas estou agora a interessar-me, porque tenho que escolher o futuro do país.”
Apesar das dúvidas e da inexperiência na matéria, vê o voto mais como uma obrigação do que como um dever. Porque não quer ser daquelas pessoas que só criticam, mas que não se dão ao trabalho de ir votar. E porque considera que a política deve ser bem interpretada anda à volta com todos os programas eleitorais, exceto os do Chega e do PS que colocou logo de parte. “Como sou inexperiente, não sei que promessas são possíveis de ser concretizadas. Além disso, identifico-me com umas num partido e com outras noutro”, diz.
Alice terminou o ensino obrigatório e entrou na Faculdade de Medicina no ano passado. A educação é, por isso, o tema que mais lhe interessa nos programas eleitorais que andou a “investigar”. E, apesar de se identificar mais com a esquerda, afirma que a AD tem propostas que lhe agradam bastante. Tais como a contagem do tempo de serviço dos professores – “vivi o 12º ausente da escola por causa das greves, semanas e semanas sem aulas e com o stresse dos exames nacionais.” Outra proposta da coligação que aprecia é a criação de uma rede de escolas do ensino artístico.
No Bloco de Esquerda e no Livre também encontrou resposta às reivindicações dos professores. Mas como estudante universitária, agradou-lhe sobretudo, que proponham a eliminação de propinas no ensino superior. “A universidade devia ser acessível a todos. A nossa formação não acaba no 12º ano, só está a começar. É preciso dar igualdade de oportunidades para todos.”
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