Estudos mostram que o partido de André Ventura está a conseguir uma maior penetração no eleitorado jovem, impulsionado pelas novas plataformas como o TikTok e Instagram, terreno fértil para os mais jovens. Mas este segmento do eleitorado é também o que mais se abstém. PS pode beneficiar de ter um eleitorado mais velho e fiel no próximo dia 10 de março
Nas últimas legislativas, os mais jovens já votaram à direita. Foi a Iniciativa Liberal (IL) o partido favorito deste segmento eleitoral, com o PSD a surgir, também, à frente do PS. Em 2022, o Chega contava ainda com um perfil de eleitor entre os 35 e 54 anos. A tendência parece estar a mudar, com o partido de André Ventura a conseguir uma maior penetração no eleitorado mais jovem, fruto da aposta do partido nas novas plataformas, sobretudo o TikTok e Instagram, onde pregam praticamente sozinhos com ajuda do algoritmo destas redes.
Foi através do cruzamento de quatro estudos publicados no Expresso em 2023 que Pedro Magalhães, coordenador do centro de sondagens do ICS-ISCTE, chegou à conclusão de que a probabilidade de um eleitor votar no Chega reduz em função da idade. Ou seja, os jovens, entre os 18 e 25 anos, terão uma maior probabilidade de escolher o Chega, enquanto os mais velhos, entre os 45 e 88 anos, votarão tendencialmente no PS.
“O Chega está a recolher uma comparativamente forte proporção das intenções de voto entre os mais jovens, muito próxima ou até indistinguível da obtida pelo PSD, um movimento que tem surgido também noutras sondagens”, diz ao Expresso Pedro Magalhães.
Contudo, não é líquido que os jovens favoreçam o partido, uma vez que são precisamente os que acabam por votar menos em eleições: “Não é garantido que todos os que exprimem uma intenção de voto acabem por se deslocar às urnas. Em particular, sabe-se que os mais jovens tendem a participar menos nas eleições — logo, que o grupo dos mais jovens exprimam apoio a um partido ou outro numa sondagem não é garantia que os jovens que vão acabar por efetivamente votar tenham a mesma composição e as mesmas preferências”, vinca o investigador.
Para André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, é preciso cautela na análise destes dados e aguardar por mais estudos, ainda que reconheça que a tendência parece tão acentuada que “dificilmente não haverá um movimento nesse sentido”.
“Os dados de que dispúnhamos é que o eleitorado do Chega não é envelhecido, o do PS é que é (com baixos rendimentos e menores níveis de educação)", diz André Azevedo Alves. “Não são muitos jovens, nem idosos, estando mais concentrados na faixa etária entre os 35-54 anos (e com rendimento médio)”, acrescenta.
Depois de um início em que o Chega aliciou sobretudo conservadores descontentes com os partidos tradicionais como o PSD ou o CDS, alguns saudosistas do passado, o partido de Ventura apostou os últimos meses no eleitorado mais jovem, seguindo à risca os sucessos de outros partidos de extrema-direita europeia. A mensagem tornou-se mais irreverente mas focada num público mais jovem e também virada para os descontentamentos da idade, como a emigração ou cavalgando a polémica sobre as casas de banho nas escolas.
Chega e IL, que nasceram quase ao mesmo tempo e tiveram crescimentos eleitorais similares (passaram de um deputado único em 2019 para um grupo parlamentar de 8, a IL, e 12, o CH, em 2022), têm no entanto uma crescimento diferente no eleitorado. "A IL é que sempre vingou entre o público mais jovem, urbano e com mais formação, mas a forte aposta do Chega nas redes sociais, terreno fértil para essa faixa etária, pode estar a mudar o padrão ”, defende Azevedo Alves.
Os dados sugerem “maior abrangência”, “crescimento rápido” e “sucesso” da estratégia do partido com a Juventude Chega e a contínua aposta nas redes sociais e visitas a escolas secundárias e universidades. Mas não implica por si só uma previsão de grande subida do Chega à custa dos jovens a curto prazo, defende André Azevedo Alves, considerando que esta tendência poderá antecipar um crescimento que não se traduz no imediato, nas eleições de 10 de março.
“Pode ser o caminho da maior consolidação do partido no futuro. A aceitação social por parte dos jovens e famílias pode ter um efeito de normalização e consequente descida da taxa de rejeição do Chega”, observa, apontando para o efeito social, uma vez que os jovens votam menos, mas têm maior mobilidade e podem influenciar amigos e familiares.
JSD reconhece “desafio grande” da democracia digital
Segundo o 'Retrato Digital de Portugal 2015-2023, estudo da Obercom, citado pela revista Visão que esta semana dedicou o seu número ao poder do Chega no TikTok, 26% dos, internautas portugueses já usam esta rede social. A plataforma tem na sua maioria utilizadores entre os 18 e 24 anos, com mais de 20% a admitir estar indecisos ou não ter partido. E há partidos que olharam para estes dados e aproveitaram os jovens em branco politicamente.
Entre as forças políticas, o Chega e as contas ligadas ao partido e aos seus dirigentes é o rei do TikTok. Só na conta oficial da rede social tem 9,7 mil seguidores, bem atrás do segundo melhor posicionado, o Bloco de Esquerda (BE) com 24 mil seguidores, contudo, o Chega tem mais contas com o nome do partido que, no total somam mais de 70 mil seguidores. Além disso, André Ventura lidera entre os políticos, com 177 mil seguidores no TikTok, seguido pela deputada do partido Rita Matias, com 31,8 mil seguidores.
Ao Expresso, Alexandre Poço, líder da Juventude Social-Democrata (JSD), admite que o partido enfrenta um “grande desafio” a nível digital, com a expansão da direita radical, mas rejeita seguir a estratégia dessa ala com partilha de fake news e conteúdos violentos, racistas e xenófobos.
“Naturalmente que temos um desafio que está muito relacionado com a democracia digital. Já tínhamos um desafio com a Iniciativa Liberal (IL) e agora outro maior com o Chega neste tipo de plataformas, que favorece os extremos, com soluções extremistas e a partilha de conteúdo emocional. Não queremos copiar o que fazem, mas sim adaptarmo-nos com as nossas ideias e valores”, afirma Alexandre Poço, que conta com 8635 seguidores no TikTok.
Na visão do social democrata, é preciso passar a mensagem dos partidos aos mais jovens através destes novos canais, uma vez que estão cada vez mais afastados dos media e de outras estruturas orgânicas: “Estamos a tentar batalhar nas novas plataformas e a fazer esse esforço de aumentar os meios (Instagram e TikTok). Os jovens já não têm contacto com a imprensa escrita, mas com o feed. O mundo avança e temos inevitavelmente que nos adaptar”, insiste.
Afirmando que a luta das juventudes partidárias já não pode ser só ter o presidente de uma Associação Académica ou da Associação de Estudantes, Alexandre Poço entende que a estratégia passa por multiplicar e dinamizar os novos canais.
O social-democrata considera ainda que o Chega tem conseguido roubar espaço à IL à boleia das redes sociais e poderá mesmo ultrapassar o partido a 10 de março entre os mais jovens. Mas confia que a Aliança Democrática (AD) vai ser a força “mais votada entre os jovens”, apontando para a sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP) da Universidade Católica, de novembro, que indicava que o PSD contava com o maior número de voto dos jovens. “Estamos a construir um modelo social e económico que acautela as preocupações de vários grupos da nossa sociedade, incluindo os mais jovens. O discurso socialista de promessas para todos chocava com a realidade que os jovens enfrentam e se veem obrigados a emigrar”, atira.
JS “alarmada” pede acção ao partido
O crescimento avassalador no Chega em plataformas digitais como o TokTok ou o Instagram tem sido mais efetivo nos últimos meses, segundo relatou a Visão. O Expresso fez o teste de pedir a jovens utilizadores que lhe relatassem que conteúdos políticos aparecem nesta rede, que nasceu em 2017, e teve o mesmo resultado que a Visão.
Nos três dias em que os jovens utilizaram o TikTok, apareceu-lhes sempre nas sugestões vídeos relacionados com o Chega, mesmo que estes jovens não sigam qualquer página do partido ou sequer procurem por conteúdos políticos. Nos vídeos, apareceram, por exemplo, vídeos do debate entre André Ventura e Catarina Martins das últimas eleições, mas aparecia apenas a performance do líder do CH e não a resposta da bloquista; ou um vídeo de uma intervenção de uma congressista sobre as casas de banho mistas.
Dados que preocupam o líder da Juventude Socialista que na última Comissão Nacional do PS, no fim de semana passado, alertou o partido para a necessidade de investir nas redes sociais, sobretudo nestas mais usadas pelos mais jovens. Ao Expresso, Costa Matos diz que “qualquer pessoa que assista ao crescimento do Chega nas redes sociais fica absolutamente alarmado” e diz até que além do CH, a “direita democrática” acaba por ter também mais lastro das redes do que o PS.
O socialista admite que é normal que o partido tenha uma comunicação mais institucional, não só pela sua natureza, mas porque é poder, mas que devia “ousar” mais um pouco para chegar aos mais jovens para “vender as suas ideias”.
Além da batalha no campo das ideias, o socialista admite que é necessário combater a "desinformação" do CH, porque muitas vezes, “o PS não consegue fazer valer os factos que estão do seu lado”. Há um “crescimento dramático junto dos jovens, uma geração que acharíamos que seria afeiçoada aos direitos humanos e muitos estão apegados a valores conservadores", acrescenta.
Para isso contribui, acredita outro socialista com quem o Expresso falou, o culto da personalidade em relação a Ventura e também a Rita Matias, que se transformou numa espécie de influencer do TikTok. “Criam a ideia de ser fixe, de gastar com o que é suposto”. A “irreverência própria da idade” está a virar-se para o Chega quando antes era campo aberto para partidos de esquerda como o Bloco. Apesar de a deputada do CH ter bastante lastro nas redes sociais, já aconteceu ter sido mal recebida em escolas e universidades, mas o partido não desiste dessa estratégia.
Apesar de haver nas intenções de voto esse aparente crescimento do CH, no PS nota-se ainda que os mais jovens são também a franja da sociedade mais abstencionista. Uma tese que faz sentido para Pedro Magalhães, que frisa que um “partido menos dependente do voto dos mais jovens” tem mais garantias de conseguir realizar o seu potencial captado pelas sondagens. André Azevedo Alves concorda: olhando para o perfil demográfico de Portugal, quem irá efetivamente votar a 10 de março será o “eleitorado do PS, mais envelhecido”.
O coordenador do centro de sondagens do ICS-ISCTE nota ainda que a relação entre a idade e a participação eleitoral foi “menos pronunciada” nas eleições legislativas de 2022 do que nas anteriores, possivelmente porque há novos partidos que mostram “viabilidade parlamentar” e que têm atraído os mais jovens. Resta saber se o padrão se mantém a 10 de março.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: lpcoelho@expresso.impresa.pt