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Ana Jorge defende medidas tomadas na Santa Casa: manter internacionalização “permitiria branquear situações menos claras”

Ana Jorge defende medidas tomadas na Santa Casa: manter internacionalização “permitiria branquear situações menos claras”
ANTÓNIO PEDRO SANTOS/ Lusa

Questionada pelos deputados, a provedora exonerada pelo Governo diz que está “indignada” pela forma como foi tratada, ela que “trabalhou arduamente” e apresentou à ministra do Trabalho “medidas que garantiriam a sobrevivência” da SCML. A ministra quereria “despedimentos”, disse Ana Jorge. A provedora recusaria. Acabou por ser afastada e colocada “em gestão”, uma decisão que soube por e-mail

Tiago Palma

Jornalista

Ouvida esta quarta-feira na Comissão de Trabalho e Segurança Social — onde falaria, entre vários temas, sobre a delicada situação financeira da instituição e o negócio de internacionalização —, a provedora exonerada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) garantiu aos deputados que “sempre serviu a causa pública com lealdade” e que se sentiu “indignada perante as acusações” da ministra do Trabalho.

“Rejeito que alguma vez tenha actuado em meu próprio benefício ou que me aumentei e à mesa [da SCML]. Isso só revela total desconhecimento do Ministério do Trabalho”, afirmou Ana Jorge.

E Ana Jorge também lembra que, quando chegou à SCML, em maio de 2023, “fez-se imediatamente um levantamento, urgente, da situação financeira da instituição”. O resultado geraria “preocupação” na administração. “Era uma situação grave, com ruptura iminente de tesouraria, e comunicámos isso à tutela [o Ministério do Trabalho era tutelado por Ana Mendes Godinho]”, garantiu a provedora aos deputados.

Entre os problemas detetados no levantamento, Ana Jorge enumera diversos: “Elevados gastos com pessoal, com inúmeros cargos de chefia, existência de negócios internacionais de grande complexidade, e com uma gestão quase inexistente, ou aquisição [de 55%] do hospital da Cruz Vermelha”. Tudo isto, estando perante uma “grande dependência” das receitas geradas pelos jogos sociais e lembrando, Ana Jorge, “que só uma pequena percentagem das receitas [26%] chega à Santa Casa, o restante é distribuídos por diversos Ministérios”.

Perante uma situação tida como “crítica”, a mesa da SCML “tomou um conjunto de medidas de sustentabilidade financeira”, medidas de que a ministra do Trabalho “estava informada” desde abril, “aquando da primeira reunião que mantivemos”, disse no Parlamento Ana Jorge. E respondendo diretamente a Maria do Rosário Palma Ramalho, a provedora exonerada assegurou que “nunca houve inação”. “Nós trabalhámos arduamente, pagámos salários, cumprimos com fornecedores, praticamente não temos endividamento bancário”, explica.

“Ainda vamos a tempo de recuperar e reestruturar a Santa Casa”, sublinha Ana Jorge. Mas ainda está, disse a provedora afastada pelo Governo, “muito por fazer”.

Enquanto promovia “uma reorganização” e adotava “medidas concretas” para diminuir as despesas e aumentar as receitas, Ana Jorge puxou de um trunfo contra as acusações do Governo: "O último Relatório de Contas foi entregue a 30 de abril [à ministra do Trabalho] e dá um resultado positivo de €2,451 milhões. Mesmo com a diminuição das receitas dos jogos sociais”. Mas no dia 30 já Ana Jorge tinha sido exonerada.

A relação entre provedora e ministra teve um primeiro capítulo no dia 12. Foi o dia em que se reuniram primeira vez. “Ela manifestou uma incompreensão por eu não solicitar uma reunião antes. Expliquei que estava à espera que ela se instalasse. Mas a conversa foi simpática, apesar de tudo”, conta agora. Nessa primeira reunião, Ana Jorge manifestou “disponibilidade para continuar” como provedora. A ministra terá respondido “sim, sim”.

“Depois ela falou-me num plano de reestruturação, disse que não tinha e disse que havia, isso sim, um conjunto de medidas, medidas que garantiriam a sobrevivência da Santa Casa. Então, perguntou-me duas vezes: ‘Quantos vai despedir?’ Respondi ‘nenhum’. Esta foi a nossa primeira conversa”, lembra Ana Jorge.

Após esta primeira ronda, onde tudo apontava para que Ana Jorge fosse reconduzida, “recebi um pedido, uma listagem extensa de informação — que nos exigia tempo”. Mas nem deu tempo. Ana Jorge soube que estava afastada por e-mail. “No dia 24 [de abril], recebi um e-mail da ministra [do Trabalho] através do chefe de gabinete dela. Dizia que estávamos ‘em gestão’. Eu nem percebi bem”, contou Ana Jorge. E avisou: "Estar em gestão pode colocar em risco o orçamento de 2024”.

Garantindo que sempre exerceu o mandato “de forma honesta”, Ana Jorge quis enumerar obra deixada. “Não fizemos nada? Reduzimos despesas — desde logo dos membros da mesa [da SCML] —, aumentou o escrutínio às despesas, suspendemos imediatamente todas as novas entradas — quando necessário, contratávamos um por cada dois que saíam —, retirámos 42 lugares de chefia e poupámos assim um milhão de euros”, explicou.

Sobre a polémica (e lesiva, pois causou perdas de €52,790 milhões) internacionalização dos jogos sociais da Santa Casa, Ana Jorge não teve peias em afirmar: “Manter a internacionalização era comprometer a sustentabilidade financeira e o trabalho social da instituição, permitiria branquear situações que considero, no mínimo, menos claras”.

A parte final da audição na Comissão de Trabalho acabou mesmo tomada pelo tema da internacionalização. Ana Jorge diz ter sido “muito pressionada” pelos anteriores gestores, “que estavam sempre à porta, queriam mais dinheiro”. Garantindo que “recusou sempre”, porque a SCML “não tinha já condições financeiras para isso, para investir mais no Brasil — correndo o risco de falhar pagamentos cá”, Ana Jorge não poupou nas críticas à condução do negócio.

“Logo no princípio do mandato [como provedora] fiquei muito preocupada. Faltavam e ainda faltam documentos. Só Francisco Pessoa e Costa e Ricardo Gonçalves receberam 850 mil euros em três anos — e as finalidades das despesas eram duvidosas. Além de que existiam indícios de atividade criminosa na operação, nomeadamente quanto aos parceiros”, explicou Ana Jorge, rematando: "Continuar, comprometia a Santa Casa. Não podíamos continuar sem fazer nada”.

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