Exclusivo

Política

Reparações coloniais: um “assunto resolvido” ou um legado “atirado para debaixo do tapete”?

Fresco com soldados portugueses e indígenas na Fortaleza de Maputo, em Moçambique
Fresco com soldados portugueses e indígenas na Fortaleza de Maputo, em Moçambique
Eric Lafforgue/Art in All of Us/Corbis via Getty Images

Discutir o colonialismo português e a sua marca na história da humanidade continua a gerar fortes reações. De um lado, critica-se a falta de uma política de memória e os elogios a um passado atroz; do outro, fala-se de um assunto arrumado com a abolição da escravatura. Afinal, como devem as reparações coloniais ser discutidas?

Reparações coloniais: um “assunto resolvido” ou um legado “atirado para debaixo do tapete”?

Hélio Carvalho

Jornalista

Para discutir o papel de Portugal no comércio de escravos, é preciso perceber a sua dimensão. Ao longo de 400 anos, estima-se que o império português tenha transportado pelo Oceano Atlântico quase seis milhões de escravos africanos - segundo os dados recolhidos pelo Slave Voyages, um projecto online que recolhe dados sobre as viagens de escravos ao longo da era colonial dos vários países. O valor representa quase metade dos mais de 12 milhões de africanos transportados para o “Novo Mundo” pelos impérios europeus durante o anterior milénio.

O transporte de escravos africanos ao longo da expansão marítima europeia é considerada uma das maiores migrações forçadas na história da humanidade pela Organização das Nações Unidas, a par da partição da Índia e da Segunda Guerra Mundial.

Esta semana, depois das declarações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre reparações históricas (e da reafirmação na terça-feira, em Cabo Verde), o preço a pagar pela escravatura, pelos massacres e pela exploração das ex-colónias voltou a ser tema de debate. Uns pedem que haja debate, apontando para um benefício português com o colonialismo e as dificuldades sentidas ainda hoje por cidadãos de origem africana; outros defendem que o assunto está resolvido, que já foram feitos esforços de reconciliação no passado e o Governo criticou o Presidente da República por ser “inoportuno”.

Para o historiador Francisco Bethencourt, professor no Departamento de História do King’s College de Londres e antigo diretor da Biblioteca Nacional, o processo de reparações históricas está “bastante atrasado”, e Portugal tem agido como se não tivesse “nada a ver com isso e não pode continuar a ignorar o problema”.

“Isto tem que ser levado com seriedade. A reparação não é possível ser total, porque Portugal simplesmente não teria dinheiro durante 100 anos para pagar as indemnizações devidas. O que deve haver é seriedade em considerar o problema e deve haver políticas de compensação para pelo menos, e estou a falar do mínimo dos mínimos, criar condições para que a minoria africana em Portugal seja mais bem integrada e educada”, defendeu Bethencourt, especialista em investigação sobre racismo e colonialismo, em entrevista ao Expresso.

Os pedidos de indemnização pelos crimes coloniais dos vários impérios europeus não são recentes. Em 1998, o Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, já abordava os princípios das reparações históricas a vítimas de atrocidades. Mas o debate tornou-se mais aceso em 2020, quando os protestos antirracistas pela morte de George Floyd, nos Estados Unidos, rapidamente transformaram-se em protestos contra os símbolos coloniais e os seus resquícios na cultura de vários países.

Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para continuar a ler

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hcarvalho@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate