“Queremos negociar um acordo com medidas concretas que corrijam erros e resolvam problemas que a maioria absoluta foi incapaz de resolver”, anunciou Mariana Mortágua na manhã desta sexta-feira, dia 5. Assim, a coordenadora do Bloco de Esquerda desafiou o PS a voltar a fazer um acordo que permita uma maioria parlamentar de esquerda, tendo em conta as baixas probabilidades de os socialistas voltarem a conseguir governar com maioria absoluta. Para firmar esse acordo, Mariana Mortágua deixou claro quais são os temas que devem estar em cima da mesa das negociações: “o tecto para as rendas, as negociações para carreiras de médicos e professores e o combate à precariedade”. Nas entrelinhas ficou clara a vontade de que este acordo seja escrito, ficou por saber se os bloquistas vão exigir fazer parte do próprio Governo eleito.
Contudo, Mariana Mortágua deixou o aviso a Pedro Nuno Santos – com quem garantiu não ter falado, fora o “cumprimento de circunstância” quando foi eleito líder do PS – de que o seu partido será mais exigente agora do que foi em 2015. “Em 2015 assinámos um acordo com o PS para reverter medidas da direita, o que é preciso hoje é muito mais que isso. Hoje é preciso solucionar os problemas que a maioria absoluta não foi capaz de resolver, da saúde à habitação, da educação aos salários”, disse. O discurso é coerente com aquilo que tanto a coordenadora como os restantes membros do partido defenderam até agora de que o acordo de 2015 seria irrepetível por se tratar de um “acordo de mínimos”.
Este ano, o Bloco de Esquerda quer aproveitar a tempestade perfeita – causada pela baixa probabilidade de qualquer partido conseguir maioria absoluta, o que obriga a acordos entre um dos lados da bancada, e o aumento dos bloquistas nas intenções de voto – para conseguir ir mais longe do que foi Catarina Martins e implementar algumas das suas medidas-bandeira, nomeadamente, nas áreas da habitação, saúde e educação.
Para justificar a decisão, que surge após a reunião da Comissão Política do Bloco, Mariana Mortágua vincou a “responsabilidade da esquerda” em comunicar com “transparência” como é que pretende implementar as suas soluções no pós-eleições. “Há uma responsabilidade da esquerda de dar um horizonte de esperança ao país. Há uma responsabilidade da esquerda de dizer como vai é que vai baixar o preço das casas, manter urgências abertas. É essa a responsabilidade que o Bloco está a assumir hoje com transparência”, respondeu.
Questionada sobre se o acordo deverá incluir ainda nomes bloquistas no Governo, Mariana Mortágua preferiu não responder. A coordenadora vincou apenas a importância da composição do próximo executivo incluir uma “maioria de deputados” capazes de fazer aprovar soluções para os problemas do país nas áreas onde o Bloco tem afunilado a sua luta.
Virando-se para os outros partidos, Mariana Mortágua apelou a que os programas eleitorais sejam apresentados “depressa” para cada um mostrar aos portugueses “como é que vão resolver problemas”. “Todos os partidos devem dizer ao que vêm com toda a clareza”, pediu. Da parte do Bloco, o programa será apresentado dia 20 deste mês assente em seis temas: salários, habitação, cuidados, saúde, educação e clima.
Entretanto, o Bloco de Esquerda divulgou um comunicado em que volta a frisar que “o Governo de maioria absoluta do PS caiu por responsabilidade própria” e enumera as 6 áreas em que o Bloco quer medidas concretas para um eventual acordo: salários, educação, cuidados para a infância e velhice, clima saúde e habitação.
Dos salários ao clima: o ‘caderno de encargos’ do Bloco para o PS
A vontade de um acordo de maioria com o PS está firmada, falta saber se os socialistas estarão dispostos a negociar. O primeiro passo foi dado pelo Bloco que apresentou o ‘caderno de encargos’ com as seis “áreas prioritárias” que vão fazer parte do programa do partido. O objetivo, lê-se no comunicado, passa por “corrigir e inverter escolhas da maioria absoluta”.
A primeira prioridade do Bloco são os salários. Os bloquistas querem um “aumento real” dos salários no setor público e privado e ainda “novas regras contra a precariedade” que devem incluir a recuperação de “mecanismos de contratação e negociação coletiva” e ainda uma redução do horário de trabalho. Só assim, dizem, é possível “garantir aos mais jovens um futuro em Portugal e aos mais velhos a tranquilidade depois de uma vida de trabalho”.
A habitação surge em segundo lugar nas prioridades do partido. Como condições para “travar o empobrecimento, a expulsão das cidades e o bloqueio à independência dos jovens”, os bloquistas avançam com três propostas nesta área: baixar o preço das casas, dos juros e das rendas, aumentar a oferta pública de habitação e combater a especulação imobiliária.
Nas “medidas concretas” a acordar com o PS surge ainda a criação de uma “resposta de cuidados dignos para a infância e a velhice, de acesso universal”. Isto para combater o “empobrecimento das famílias” e “dar segurança e autonomia às várias gerações”.
Também o “maior investimento” no Serviço Nacional de Saúde (SNS) era uma das propostas esperadas. Aliás, Mariana Mortágua lembrou que a falta de entendimento sobre o futuro do SNS foi uma das razões que levou ao chumbo do Orçamento do Estado em 2021. Agora, os bloquistas exigem uma reforma no SNS capaz de dar “melhores condições para atrair e fixar os seus profissionais” e implantar “novas valências hoje ausentes do SNS”.
Na educação, o Bloco garantiu que a recuperação integral do tempo de serviço dos professores “é mesmo para cumprir”. De acordo com as declarações de Pedro Nuno Santos, este poderá ser um dos temas onde existem maiores possibilidades de pontes já que o novo líder do PS defendeu essa mesma reposição durante a campanha eleitoral interna.
Por fim, o Bloco quer também transformações na área do clima. “Em vez de decisões que penalizam quem menos tem (aumento do IUC, portagens no interior) e de facilidades na aplicação de normas ambientais no momento do licenciamento de grandes negócios (extração mineira, agricultura superintensiva) é necessário um programa para a justiça climática, com efetiva redução de emissões e adaptação do território”.