“O que se espera é muito mais.” Marcelo avisou há um ano que 2023 seria decisivo para Costa. E, embora condicionado pela campanha eleitoral, incentivou o eleitorado a mudar. Nos 50 anos de abril, o Presidente avisa que o começo da mudança “é agora”. O apelo ao voto está lançado
“2022 não foi a viragem esperada” e “seria imperdoável desbaratar 2023”, afirmou o Presidente da República há um ano. Mas podia ser este o resumo da sua mensagem de arranque deste ano. Bastava mudar a primeira frase para "2023 não foi a viragem esperada" e acrescentar “seria imperdoável desbaratar 2024”. Foi esse o desafio que Marcelo Rebelo de Sousa quis deixar aos portugueses neste ano eleitoral.
Com legislativas marcadas para daqui a dois meses, o Presidente foi contido na mensagem, inevitavelmente condicionada pelo contexto de campanha eleitoral que já se vive no país, mas não disfarçou um balanço frustrado e um apelo à mudança.
“Há um ano disse-vos que 2023 podia ser decisivo. E foi.” Mas “2024, afinal, é ainda mais decisivo e todos desejamos que possa ser diferente”, afirmou. Clarificando que se espera “que 2024 possa ser, finalmente, de maior esperança”.
As críticas ao que falhou na maioria absoluta socialista não escaparam à lente presidencial: “Sem acesso à habitação, à saúde, à educação, à solidariedade social”, a qualidade da democracia “não é sustentável”. No ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril, Marcelo reconhece que as contas certas “são essenciais”, o emprego, as exportações e o crescimento económico, idem. Mas avisa que “o que se espera e exige nos próximos 50 anos é muito mais do que o que se conseguiu” até aqui. E o começo, sublinhou, “é hoje, é já, é agora”. Ou seja, não há tempo a perder.
O apelo ao voto de mudança percorreu toda a mensagem do Presidente da República e o desafio foi lançado: “Devemos estar atentos e motivados a votar”, nas várias eleições no horizonte, sejam as legislativas, as europeias ou as regionais nos Açores.
Marcelo passou em revista o contexto internacional adverso e desafiante, seja com as duas guerras em território europeu e no Médio Oriente; seja com a Europa submersa em “egoísmos e fechamentos”; seja com as eleições norte-americanas, que em novembro próximo vão determinar “como vai ser o tempo imediato no mundo”.
Mas o essencial da sua mensagem foi para dentro e Marcelo deixou claro que entende não bastarem as contas certas nem as políticas sociais aplicadas nos últimos anos, que frisou não terem conseguido cumprir as promessas de abril de 74.
“Ficou claro que contas certas, maior crescimento e emprego, qualificação das pessoas, investimento e exportações, são essenciais”, afirmou. Para logo acrescentar: “Mas ficou também claro que crescimento sem justiça social, sem redução da pobreza e das desigualdades entre pessoas e territórios não é sustentável”. E “Ficou claro que efetivo acesso à saúde, à educação, à habitação, à solidariedade social é uma peça-chave para que haja justiça social e crescimento”.
"A Justiça pode fazer a diferença"
A demissão de António Costa e o contexto sui generis que levou à atual crise política também não foram ignorados - Marcelo chegou a afirmar que “a administração pública e a Justiça podem fazer a diferença”. Pelo contrário, a demissão de Costa permitiu ao Presidente defender a sua decisão de levar o país a votos.
“Depois da legítima decisão pessoal do primeiro-ministro de cessar funções (…) devemos estar todos atentos e motivados para eleições”, afirmou, lembrando que “a democracia nunca tem medo de dar a palavra ao povo”.
Reconhecendo que o contexto de um xadrês partidário mais fragmentado não anuncia soluções de governação fáceis, o Presidente não ignorou que “2023 acabou com mais desafios e mais difíceis do que aqueles com que havia começado”. Mas voltou a escudar-se no eixo central do regime democrático - “2024 irá ser, largamente, aquilo que os votantes, em Democracia, quiserem”.
A ele caber-lhe-á decidir o jogo mediante as soluções que sairem do voto, mas até lá há uma campanha eleitoral que só agora começa e umas eleições de desfecho imprevisível. No primeiro discurso do ano, Marcelo deixou um balanço frustrado da maioria absoluta que cedo considerou ter começado “requentada” e que caíu ao fim de dois anos.
Recorde-se que, há um ano, Marcelo Rebelo de Sousa tinha avisado no primeiro discurso de 2023 que “só o Governo socialista e a sua maioria poderiam enfraquecer ou esvaziar” a “vantagem comparativa” que é a “estabilidade política” e, na altura, sentenciou “não haver desculpas para o Governo de maioria absoluta não fazer o que está ao nosso alcance”.
Um ano depois, com o Governo demitido, Marcelo reforçou a exigência: é preciso fazer “muito mais”. E se em 2023 concluiu que 2022 não tinha sido “o ano da viragem esperada”, agora deixou muito claro que também 2023 foi um ano politicamente falhado.
Ficou o apelo ao voto. E o indisfarçável desafio à mudança.
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