População da Serra da Estrela faz balanço “muito negativo” desde incêndios do ano passado, PCP vai requerer audição a Duarte Cordeiro
MIGUEL PEREIRA DA SILVA/Lusa
No interior profundo da Serra da Estrela, um ano após os incêndios, as associações queixam-se da falta de aposta na “conservação” e alertam para o risco de um “ciclo vicioso”. As populações pedem por mais “apoio financeiro” para recuperar a área ardida. O PCP tirou apontamentos às queixas e vai apresentar um requerimento para uma audição ao ministro do Ambiente
Depois dos incêndios de 2022 que fustigaram 28 mil hectares na região da Serra da Estrela, ainda há muito por fazer no interior pintado de negro. A Associação Cultural dos Amigos da Serra da Estrela (ASE), ouvida pelo PCP no primeiro dia de jornadas parlamentares, esta segunda-feira, alertou para a possibilidade de um “ciclo vicioso” caso se mantenha a falta de “intervenção” na área ardida. “Ou invertemos o ciclo com intervenção humana ou não saímos deste ciclo vicioso”, alertou José Maria Saraiva, presidente da ASE.
A alguns quilómetros, na vila de Gonçalo, a pouca população que resistiu ao despovoamento também pede por “apoio financeiro” para fazer face aos “milhares de euros” em prejuízo causado pelos incêndios. “Prometeram 1200 euros de apoio, mas nem isso chegou”, partilhou com os jornalistas um dos moradores. Paula Santos, líder parlamentar do PCP, foi tirando apontamentos das queixas, prometeu apoio e revelou que o partido vai “requerer a presença em audição” do ministro Duarte Cordeiro na Comissão do Ambiente para discutir a “reabilitação” e “recuperação” do Parque Natural da Serra da Estrela.
Uma das preocupações da Associação Cultural dos Amigos da Serra da Estrela prende-se nos contratos-programa assinados pelo Governo no valor de 8,9 milhões de euros para estabilização dos solos e reabilitação de redes hidrográficas nos concelhos afetados pelos incêndios, em outubro do ano passado. Segundo José Maria Saraiva, as associações locais ainda não sabem quem recebeu estes valores nem onde serão aplicados. “Escrevemos uma carta ao primeiro-ministro para saber quando é que isso vai acontecer”, disse aos jornalistas. Contudo, ainda não existiram respostas por parte do executivo socialista.
O presidente deixou também duras críticas à reestruturação da direção do Parque Natural que passou a ter a gestão “concentrada na Mata do Choupal, em Coimbra”. “O Parque não existe. Houve uma retira de verbas para o ICNF. Deixou de haver aposta na conservação e passou a haver uma aposta no turismo”, resumiu José Maria Saraiva. Também Vladimiro Vale, do Comité Central do PCP, acrescentou que esta decisão “afastou as gestões do terreno”. “Uma coisa é uma direção do Parque estar inserida no meio, outra é estar em Coimbra”.
Foi no meio do Vale do Beijames, no interior da Serra da Estrela, que Paula Santos anunciou que o PCP irá requerer a presença em audição do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, na Comissão do Ambiente para discutir a “reabilitação e recuperação” do Parque Natural da Serra da Estrela. “Passado todo este tempo, foi anunciado um programa, mas as respostas tardam. Esta é uma situação extremamente preocupante e são necessárias respostas”, reitera a líder parlamentar. E acrescenta que o Parque Natural está ao “abandono” por “opção política” e defende que é necessário “investimento, recuperação e intervenção” no local.
“Se isto [incêndios] volta a acontecer, ficamos aqui presos”
Depois de visitar a área ardida no Parque Natural, vários elementos do grupo parlamentar do PCP, incluindo Duarte Alves, visitaram ainda as populações que sofreram as consequências desses incêndios. Mais especificamente, uma povoação de Gonçalo onde não vivem mais de 20 pessoas. Também aqui grande parte dos moradores, que sobrevivem da agricultura, viram as suas casas, os seus meios de trabalho e os próprios campos agrículs serem consumidos pelas chamas. Quase um ano depois, esta população envelhecida queixa-se dos parcos apoios financeiros que continuam por chegar. “Ninguém aparece aqui em Gonçalo. Dizem que nos vão dar 1200 euros, mas eu ainda não recebi nem ninguém e há 10 meses que houve o fogo. Mesmo a quem ardeu máquinas e tratores vão dar exatamente o mesmo”, revelou Fernando Melas, morador e artesão de cestas de vime. Também Silvino Santos, de 70 anos, outro morador, revelou que este valor fixado pelo Governo não é suficiente para fazer face aos prejuízos causados pelos incêndios. “Se me dessem três mil euros não pagavam o prejuízo que tive”.
Além do apoio financeiro, estes moradores pedem também por melhorias nos acessos dentro da povoação para facilitar a mobilização em caso de incêndio. “Se isto [incêndios] volta a acontecer, ficamos aqui presos”, partilhou com preocupação uma das locais com 83 anos. Neste local há ainda várias estradas que não estão alcatroadas e dificultaram o acesso das ambulâncias e dos bombeiros nos incêndios do ano passado - o maior dos últimos 47 anos. Sem aparentes melhorias na manutenção dos terrenos, estes poucos idosos temem que o pesadelo de agosto de 2022 volte a repetir-se e que tenha consequências ainda mais sombrias.