Política

Convenção do Bloco: fundadores entregam guião para “espantar este tempo feio”

Convenção do Bloco: fundadores entregam guião para “espantar este tempo feio”
NUNO BOTELHO

Francisco Louçã, Fernando Rosas e Luís Fazenda foram, como é habitual, dos mais aplaudidos no primeiro dia de Convenção do Bloco. Combate à maioria absoluta, à extrema-direita e posição perante a guerra na Ucrânia marcaram os discursos e apontaram o caminho

Está há mais de uma década fora dos cargos de direção do Bloco, mas a reação dos bloquistas perante as palavras de Francisco Louçã dão prova do peso que o fundador ainda tem. Em quatro minutos de discurso, o ex-líder do partido arrasou a governação socialista do PS e deixou perguntas a todos os que nela votaram — e a quem chamou “vítimas da maioria absoluta”.

A maioria absoluta é um fantasma”, agora “precisamos de recuperar o país”, atirou Louçã. Foi aplaudido por todo o Pavilhão do Complexo do Casal Vistoso, no dia mais longo da Convenção do Bloco, e acabou a citar Chico Buarque.

As críticas ao PS marcaram o dia, atravessaram os discursos de quase todos os principais dirigentes do partido e várias vezes subiram o tom da Convenção. Falou-se em “chantagem”, muitas vezes, e até em “mentiras”. Louçã fez um breve apelo histórico para perguntar se alguém “se lembra de tanta encrenca” noutros governos, se “alguém se lembra” de durante a geringonça ter sido alguém afastado “por contas estrambólicas”, numa referência a Miguel Alves, um dos primeiros demitidos do Governo do PS. Depois foi aos temas caros do partido, serviços públicos, clima, habitação.

“Quem votou no PS para que no próximo ano estivesse resolvido o problema da habitação”, numa referência à promessa socialista de acabar com as carências habitacionais nos 50 anos do 25 de Abril, “não acha estranho que nada se tenha feito?”. A ordem no Bloco é polarizar à esquerda, atirar à maioria absoluta e recuperar os eleitores “arrependidos”. Ou, como disse Louçã a citar Chico Buarque, “espantar este tempo feio”.

Um tempo que é, para o Bloco, de ameaças também à direita, como frisou Fernando Rosas, outro dos fundadores. Aliás, essa foi uma referência amplamente repetida durante a Convenção: a extrema-direita ameaça por si própria, mas também pela forma como pode ser usada para o voto útil à esquerda.

Fernando Rosas discursou sobre um dos temas que conhece bem como historiador: a extrema-direita
NUNO BOTELHO

Fernando Rosas quis dar resposta aos dilemas que tudo isso levanta. “É possível combater esse perigo aceitando a governação do PS? Eu acho que não é possível.” É a maioria absoluta, acusou o histórico fundador bloquista, que alimenta a extrema-direita e, portanto, o combate é em duplo sentido. “Passa pela defesa de medidas justas que respondem à aflição das pessoas”, passa também por “secar o pântano da demagogia fascizante” com uma “oposição frontal à estratégia do PS”.

E isso significa “estar na luta e ousar vencer o capitalismo predatório”, propondo “políticas alternativas que as pessoas possam empunhar como armas”. Fernando Rosas acabou o discurso a agradecer a Catarina Martins, como tinha feito uma parte significativa dos delegados que intervieram este sábado, ao ponto de José Gusmão, que na mesa ia conduzindo os trabalhos, fazer a piada de que os agradecimentos a Catarina Martins não contavam para o tempo de intervensão dos inscritos.

Luís Fazenda, um dos fundadores do Bloco de Esquerda, centrou o discurso na guerra na Ucrânia
NUNO BOTELHO

Luís Fazenda, outro dos fundadores do Bloco ainda vivos (passam já 10 anos desde a morte de Miguel Portas), trouxe uma das mais antigas lutas do Bloco para o palco: as políticas da União Europeia. O bloquista defendeu que chegam “más notícias” da União Europeia desde o “aumento da despesa militar” ao “aumento das taxas de juro” pelo Banco Central Europeu ou o “estrangulamento do investimento público” causado pela divida portuguesa. “O Bloco, ao contrário de PS e da direita, põe em causa modelo europeu. A Europa não pode ser travão ao desenvolvimento e capacidade de encontrar justiça económica”, reiterou.

Na pequena intervenção que somou fortes aplausos, Luís Fazenda atirou ainda à ala crítica do partido com uma posição “solidária” com a Ucrânia. “Não se pode dizer ‘Putin fora da Ucrânia’ e depois dizer que parte da ucrania pode ficar para a Rússia”. Para o membro-base, não há “questões”: “se ucranianos decidirem partilhar território é decisão deles, até lá é luta pela autodeterminação de território. Ou a esquerda está a favor da autodeterminação dos povos ou fascistas avançam".

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