Medina não antevê crise "generalizada", mas só vai baixar impostos quando for seguro
ANTÓNIO COTRIM/Lusa
Na discussão do Programa de Estabilidade, no Parlamento, Medina admitiu que podia ter excedente orçamental no final do ano, mas não o vai fazer para atualizar pensionistas, trabalhadores e aumentar investimento. Oposição criticou falta de visão estratégia para pôr economia a crescer
Fernando Medina está optimista, mas insiste na prudência. Com a oposição a criticar a falta de ímpeto do Governo para fazer crescer a economia e a criticar a estratégia de combate à inflação, Fernando Medina foi ao Parlamento defender o Programa de Estabilidade e, com ele, a estratégia de consolidação orçamental (podia ter superávite no final do ano mas vai manter défice nos 0,4%), mesmo que não “anteveja uma crise generalizada” no horizonte. Baixar impostos, só quando houver “segurança” para o fazer.
“Perguntam porque não fazemos já tudo e agora, respondemos: o Governo baixa os impostos quando tem segurança de o poder fazer sem gerar dificuldades futuras. E devolvemos rendimentos sempre que a realidade se mostra mais favorável do que o cenário prudente equacionado, esta é a única forma de estar de um Governo responsável”, disse o ministro das Finanças na intervenção de abertura do debate, onde defendeu um quadro económico optimista: inflação a cair há cinco meses e com previsão de continuar em queda nos próximos anos, e uma estabilização da subida dos juros até ao final do ano.
É esse cenário que permite ao Governo, disse, apoiar as famílias mais vulneráveis e fazer um “aumento intercalar das pensões”, que vão ser atualizadas acima do que seria o cumprimento estrito da fórmula de atualização das pensões, ou ainda o aumento de 1% dos funcionários públicos e do subsídio de refeição. “Os pensionistas terão ganhos efetivos do poder de compra (…) isto não pode, nem deve, ser desvalorizado”, disse ainda, destacando outro compromisso do governo: a redução acentuada do peso da dívida pública.
À esquerda, contudo, ninguém comprou os argumentos da “prudência”. Mariana Mortágua questionou Fernando Medina sobre o défice que em 2022 previa que fosse de 1,9%, o que, nessa altura, era considerado um valor “adequado e necessário à proteção das contas públicas”, e que ao longo do ano passou para 0,4% e uma folga de 3.500 milhões de euros. “Afinal, o que é considerado um défice adequado e necessário?”, questionou, instando o ministro das Finanças a dizer se, com um défice tão baixo, vai ou não compensar os trabalhadores pela perda de poder de compra e se vai, nomeadamente, compensar os professores que há muito reivindicam a recuperação do tempo de serviço congelado.
O mesmo questionou o deputado comunista Duarte Alves, que defendeu que não é - ao contrário do que o Governo dizia - a atualização dos salários que aumenta a espiral inflacionista, mas sim as margens de lucro. “As margens de lucro a aumentar é que puxam pela inflação”, disse.
Foi perante as críticas dos antigos parceiros de “geringonça” que Fernando Medina afirmou que a aposta do Governo é na estabilização do défice nos mesmos 0,4% em 2023 e não numa melhoria mais rápida, para o Governo poder acorrer a quem mais precisa. Caso contrário, admitiu, podia mesmo ter um “superávite de 0,6%” do PIB já este ano. "Decidimos manter o défice no patamar que estava, porque isso é necessário para cumprir os compromissos com os pensionistas, com os trabalhadores e para aumentar o investimento. É também o suficiente para se assegurar a continuação da redução da dívida”, afirmou.
Pela parte do PSD e da Iniciativa Liberal, a crítica ao Governo foi a de ausência de qualquer estratégia de crescimento em Portugal e, em paralelo, de qualquer redução relevante dos impostos. O deputado social-democrata Hugo Carneiro classificou como “pífio” o crescimento médio de 1,9% previsto pelo Governo até 2027 e pouco relevante a promessa do executivo em fazer baixar nesse período o IRS na ordem dos dois mil milhões de euros.
A seguir, o ex-presidente da Iniciativa Liberal Cotrim Figueiredo desvalorizou mesmo essa alegada descida do IRS, sublinhando que o Governo, em resultado da inflação, teve uma subida do IRS em mais de três mil milhões de euros. Cotrim Figueiredo referiu ainda que os governos de António Costa fazem “um foguetório” por não apresentarem orçamentos retificativos, mas apresentam já “pacotes de dimensão financeira muito elevada sem que procedam a qualquer alteração orçamental”.
“Este Programa de Estabilidade é uma tristeza. Sem a Europa, Portugal não teria nem estratégia nem crescimento. Após 37 anos da nossa adesão à Comunidade Económica Europeia, continuamos dependentes da Europa para tudo”, concluiu Cotrim Figueiredo.
Na resposta, Fernando Medina atirou a governação de Passos Coelho contra a direita: “Percebo que não reconheça a reposição de rendimentos e a procura interna como elementos da estratégia de crescimento, porque antes conviviam bem com taxas de desemprego na ordem dos 15, 16 e 17% e até incentivavam pessoas a emigrar”.
Para Medina, apesar da crise inflacionista e da subida das taxas de juros que tem um impacto direto na carteira dos portugueses, o cenário macroeconómico é tudo menos negro: “a economia continua com emprego em máximos e está a crescer mais do que o inicialmente esperado”. O mesmo para a redução da dívida pública e o reforço do investimento público, que irá “crescer para máximos este ano, atingindo 8,3 mil milhões de euros”.
“No que diz respeito ao financiamento comunitário, a execução do PRR vai acelerar e o PT 2030 está lançado. Já quanto ao esforço nacional, e contrariando a crítica infundada de muitos, este continuará a ser reforçado, ano após ano, tal como determina o Programa de Estabilidade”, disse ainda.
A André Ventura, que acusou o Governo de ter feito uma “aldrabice com as pensões” e de prometer alívio fiscal para 2027, quando já não for ministro, Medina recomendou-lhe que lesse o Programa de Estabilidade e que “estudasse” um bocadinho. “Não disse um única verdade na sua intervenção. O alívio fiscal não é só em 2027. Tem existido nos últimos anos e existe em 2023. Está previsto desagravamento fiscal no IRS todos os anos até 2027", disse. E nas pensões, idem: “Nas pensões, o que decidimos e cumprimos é que em 2023 não haveria qualquer perda de poder de compra em relação ao que ditaria a fórmula de atualização das pensões. A segunda questão era a base de atualização das pensões para 2024. O que anunciámos com o Programa de Estabilidade é que essa base era corrigida”.
Em resposta ao PCP, Medina ainda insistiria: “Fizémos o cumprimento escrupuloso da fórmula das pensões. E com este aumento extraodinário agora anunciado fomos para além do previsto na fórmula. Para os dois primeiros escalões, onde estão 97% das pensões, a fórmula garante o valor da inflação e também um adicional em tempos de crescimento económico como o que vivemos”.
Apesar do optimismo de Medina, Bloco de Esquerda e Chega apresentaram projetos de resolução a rejeitar o Programa de Estabilidade, com Mariana Mortágua a terminar o debate a dizer que o problema do Programa de Estabilidade não são as projeções, mas sim “os truques” e “as folgas”. “Trata-se de uma propaganda vazia das contas certas, com a ameaça de crise para a justificar”, disse, acusando o Governo de ter sempre o mesmo modus operandi: vai tendo os cofres cheios e com folga orçamental ao longo do ano, para depois chegar ao final e distribuir em “medidas avulsas”. E onde ficam os investimentos na despesa da saúde, na educação e nos salários? “É preciso verdade e seriedade no debate”, pediu a deputada bloquista.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes