Esqueçam dissoluções do Parlamento e eleições antecipadas durante este ano. Marcelo Rebelo de Sousa não garante nada até ao fim da legislatura mas deixou claro, esta segunda-feira, que não alinha com os que na oposição, “sobretudo na oposição mais à direita”, consideram haver razões para o Presidente da República partir a corda. O próprio discorda: “Não faz sentido hoje … neste ano que é decisivo”.
E é decisivo porquê? Eis o argumentário do Presidente: “É fazer as contas. Uma eleição significa perder quatro meses”; “temos uma guerra”; “temos uma crise financeira e económica que se agrava com a guerra”; “uma situação complicada"; “um PRR que começa a acelerar na execução, agora com mais dinheiro (foi recalculado) e com mais obrigação de gastar esse dinheiro”; “e não há uma alternativa suficientemente forte”.
Marcelo diz compreender que as oposições insistam “de quando em vez” ("é evidente e é natural"), sobretudo quando o Governo proporciona “situações desnecessárias de desgaste das instituições” e reconheceu que “na semana passada houve uma dessas”. Nomeadamente, criticou "a ideia de reunir deputados, Governo e administração da TAP” como se “um professor fosse fazer a preparação de um exame com os alunos”. Mas apesar disso, o Presidente aconselha gelo nos pulsos à oposição e avisa que “não faz sentido estar a gritar vem aí o lobo de dois em dois meses”.
Muito crítico do último “episódio” saído do Governo na última semana, o Presidente considerou “simultaneamente estúpida e egoísta” a ideia de que ele podia ter pedido para alterarem um voo da TAP. E deixou um veemente conselho ao primeiro-ministro para que “dê atenção a estas situações, que têm um desgaste muito superior aos factos”, sobretudo numa maioria que já catalogou de “requentada”.
“O que é legítimo pedir é que o Governo governe mais rápido e melhor e sem desgastes desnecessários”, concluiu. Reconhecendo, no que toca à TAP, que “é um tema sensível em termos internos e externos” e avisando os que ainda sonham com a manutenção da transportadora na esfera do Estado que não há "dinheiro para capitalizar a TAP e é preciso encontrar parceiros”.
Olhando para as sondagens, o Presidente da República diz perceber que os portugueses “não querem uma crise política” - “Nada de eleições agora” - mas querem que ele vá “puxando as orelhas” ao Governo. “É essa a função do Presidente, estar atento, ser independente no seu juízo e perceber o que é melhor para o país”.
Para já, Marcelo acha que o melhor é não usar a bomba atómica, até perceber se o PSD consegue afirmar-se como líder de uma alternativa de direita, coisa que considera ainda não estar garantida. Por isso, o Presidente diz que o que Jorge Sampaio fez quando demitiu o Governo e dissolveu a maioria que sustentava o Executivo de Pedro Santana Lopes não é comparável: “Sampaio estava em fim de mandato, não havia guerra, não havia fundos desta dimensão para executar num prazo curto; a maioria era presidida por um primeiro-ministro que não tinha ido a votos; e havia uma alternativa óbvia de um só partido, um partido hegemónico, um só”.
Agora, com o PSD dependente do Chega para fazer maioria (dizem as sondagens), Marcelo espera para ver como o xadrez evolui. E avisa Governo e oposição que nenhum dos lados “deve dar por garantido” que o “tem no bolso”.
O seu calendário é o que há muito apontou para avaliar as condições de a legislatura se cumprir - lá mais para 2024, quando for possível perceber como vai a execução do PRR, a dinâmica do Governo e o crescimento do PSD face à concorrência que lhe surgiu à direita, seja o Chega seja a IL. Antes disso, e visivelmente sem querer ficar responsável por abrir a porta a uma entrada do partido de André Ventura numa solução de Governo, a bomba atómica de Marcelo ficará inativa.
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