“Não vamos ficar por aqui”: manifestação pela habitação espera “milhares” nas ruas de Lisboa a Braga
JOAO CARLOS Santos
Este sábado, dia 1 de Abril, o país recebe uma manifestação pelo direito à habitação em, pelo menos, seis cidades. Em Lisboa, a organização espera uns “tantos milhares” nas ruas. A regulação das rendas, a suspensão dos despejos e o fim da especulação imobiliária fazem parte das reivindicações principais
O pacote de medidas para a habitação aprovado pelo Governo esta quinta-feira, não abranda a contestação social. Este sábado, pelas 15 horas, arranca uma manifestação pelo direito à habitação em Lisboa, Porto, Viseu, Aveiro, Coimbra e Braga. “Desde 2015 até agora, houve um aumento de 116% no preço das casas. Já os salários estagnaram e muitos diminuíram”, disse ao Expresso Rita Silva, membro da Habita! e uma das porta-voz da manifestação “Casa Para Viver”. As condições precárias de habitação e os altos preços dos imóveis levaram a que “quase 100 organizações” se unissem e subscrevessem um manifesto com 12 propostas como a “regulação efetiva das rendas”, a “penalização das casas vazias”, a “suspensão dos despejos” e o fim dos “incentivos fiscais para os residentes não habituais”. Sem querer avançar com projeções, a porta-voz espera uns “tantos milhares” de pessoas nas ruas da capital.
Também no Porto, a expectativa é reunir “muitas pessoas” no protesto que arranca na Batalha. “A manifestação tem três grandes temas: direito à habitação, direito à cidade – viver perto de infraestruturas, serviços, transportes, trabalho – e contra o aumento do custo de vida. Uns sem os outros não são nada”, partilhou Helena Souto, membro da Habitação Hoje!, uma das organizações responsáveis pela manifestação no Porto. Durante os dois meses de preparação, a organização realizou assembleias com os cidadãos em várias zonas da cidade e viu “com os próprios olhos” algumas condições habitacionais altamente precárias. “Há pessoas muito vulneráveis, acompanhadas pela Segurança Social, que são encaminhadas para pensões onde existem ratos, bolor, fungos. Estudantes a desistirem do ensino superior por não conseguirem pagar um quarto, vítimas de violência doméstica que não conseguem sair da casa dos agressores, famílias monoparentais onde a mãe ou o pai têm vários trabalhos e até deixam de comer para conseguir pagar a casa”.
Apesar do problema ser mais destacado nas grandes cidades, a precariedade da habitação já chega a outros pontos do país. “Há cidades em que problema é maior que outras, mas o peso do aumento custo de vida é geral do país todo. Braga está muito próxima de Lisboa e Porto [na crise habitacional]. Em Guimarães não é muito diferente”, lembrou Luís Barbosa, membro da Civitas Braga, uma das associações envolvidas no movimento “Casa Para Viver”. Por essa razão, também aqui se juntaram “27 coletivos” de “todos os tipos” para exigir por melhores condições habitacionais.
As reivindicações são transversais a todas as cidades que subscreveram o manifesto. “Achamos fundamental a regulação efetiva das rendas, penalizar eficazmente as casas vazias com multas, especialmente, para os fundos de investimento e grandes proprietários. Também a suspensão dos despejos, a redução brutal dos apartamentos turísticos, a regulação dos lucros bancários com os juros [de crédito para a habitação]. E acabar com os incentivos fiscais aos residentes não habituais, como os vistos gold. O Governo não teve coragem política de mexer nestes incentivos”, enumerou Rita Silva.
Medidas “insuficientes”, “sem resultados” e com falta de “vontade política”
“Não há vontade política em controlar rendas e promover habitação pública. O Governo está a insistir nas rendas acessíveis, que são só 20% abaixo do valor de mercado, em vez da renda pública que é de acordo com os rendimentos das pessoas. É chocante”, criticou a integrante da Habitação Hoje!. As críticas ao pacote Mais Habitação - aprovado esta quinta-feira no Parlamento, mesmo com a desqualificação dos partidos e do Presidente da República - não ficam por aqui. “Houve um conjunto de benefícios fiscais para pessoas estrangeiras com elevados rendimentos, como os vistos gold, que fizeram subir as rendas. Se o senhorio pode cobrar dois mil euros por uma casa, porquê cobrar 300? Depender da boa vontade do proprietário não é uma boa política pública”, acrescentou Helena Souto.
Entre as medidas apresentadas pelo Governo, o arrendamento coercivo de casas obsoletas foi uma das que gerou mais polémica - Marcelo Rebelo de Sousa chegou a admitir vetar a lei, caso o PS avançasse com a mesma. Contudo, a porta-voz do movimento “Casa Para Viver” em Lisboa acredita que esta medida serviu apenas para “distrair” as pessoas do “essencial”. “A medida tinha muitíssimas exceções. Além de que as Câmaras Municipais não a aplicavam, mesmo já estando na lei. Este pacote inclui medidas que mantêm as rendas altas, não vão funcionar ou são de muito difícil execução. Não acreditamos nele”. Também Luís Barbosa mostrou-se desiludido com os apoios do Estado. “Está muito aquém do necessário, é particularmente curto e que prevê muitas dificuldades de execução”.
“Voltamos as vezes necessárias até que as pessoas tenham casas”
Desacreditados com as medidas socialistas, os membros destes coletivos e associações acreditam que a luta pelo direito à habitação digna é nas ruas. “O problema não vai mudar, há sete anos que Governo promete e não resolve. Só a organização e mobilização das pessoas vai sanar o problema da habitação. Estamos em emergência habitacional”, defendeu Rita Silva.
O manifesto “Casa Para Viver” inclui 12 medidas – seis dentro do direito à habitação, três no direito à cidade e outras três para o “fim da exploração através do custo de vida”. Levar algumas delas ao parlamento seria uma “vitória”, mas a expetativa é baixa. “Esperamos ser ouvidos, mas sabemos que temos de continuar o trabalho. Não vamos ficar por aqui”, garantiu a porta-voz da manifestação no Porto. “Não temos ilusões, sabemos que estamos a afrontar os poderes poderosos do setor imobiliário. Mas ter tantas organizações e cidades a aderir de forma espontânea já é uma vitória”, juntou Rita Silva. Caso a inação do Governo se mantenha, as ruas voltam a encher. “Vamos voltar as vezes que foram necessárias até que as pessoas tenham casas. Sem habitação não há vida”.
Com início marcado para as 15 horas em todas as cidades, em Lisboa a manifestação arranca na Alameda e segue até ao largo do Martim Moniz onde estará um palco para terminar o dia com “uma intervenção artística e cultural”. No caminho, o percurso vai ainda “entrar por bairros” circundantes à Avenida Almirante Reis. “É uma zona com uma dinâmica demográfica, social e cultural forte”, justificou Rita Silva. Além disso, serve também como “homenagem” aos migrantes desalojados devido ao incêndio no número 21 da Calçada Nova do Colégio, perto do Hospital de São José, em Janeiro.
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