Horas depois de apresentar o pacote de medidas para a crise na habitação, António Costa escolheu a TVI para se explicar. À chegada ao estúdio, debaixo do braço trazia as medidas de resposta a um tema que voltou a considerar “central” e “transversal” na sociedade portuguesa. Começando por lembrar que as medidas hoje apresentadas ainda serão alvo de discussão pública, altura em que seguramente “surgirão melhores ideias”, o primeiro-ministro defendeu o “pacote equilibrado” que diz ser capaz de responder à maior necessidade - o aumento da oferta de casas no mercado – numa tentativa de acudir aos interesses contraditórios entre os envolvidos no sector: senhorios, inquilinos e banca.
Em estúdio, começou por lembrar que “o país esteve décadas sem verdadeira política de habitação” e que “no último ano em particular, a situação degradou-se bastante”. “O que apresentámos hoje foi um conjunto vasto de medidas que, conjugadas, vão contribuir para um objetivo fundamental, aumentar o número de casas disponíveis”, insistiu, lembrando ainda a inclusão de medidas para que as famílias façam frente “ao aumento de custo de vida”. “Portugal é dos países da Europa que tem um parque habitacional público dos mais pequenos. Por isso, quando elaborámos o PRR, o dotámos de 2700 milhões de euros para o aumentar”, lembrou, voltando a repetir a mudança rápida no panorama. “Quando em 2015 falámos de novas políticas de habitação, ninguém ligou nenhuma”, disse o primeiro-ministro, voltando depois à ideia de que “o problema da habitação foi-se agravando muito e muito rapidamente nos últimos anos”.
Questionado sobre o pacote de medidas hoje apresentado, escusou-se a arriscar uma previsão sobre quando se sentirá o impacto das medidas nos preços de rendas e casas. Sobre o crédito à habitação, o primeiro-ministro destacou “o compromisso que sempre que a taxa [de esforço] suba acima da máxima testada no momento da contratação o Estado bonifica em 50% esse diferencial”. E sobre a obrigatoriedade da banca oferecer taxa fixa aos clientes, defendeu que o melhor é mesmo deixar o mercado funcionar: “Definir uma taxa fixa igual para todos, provavelmente, dificultaria mais o problema que deixando os bancos concorrerem entre si”.
Quanto ao mercado do arrendamento, António Costa começou por lembrar o plano de construção de 26 mil fogos para as famílias mais carenciadas até dezembro de 2026, a data limite do PRR. Há a novidade do Estado como senhorio. Depois a proposta destinada “aos jovens e à classe média” para rendas acessíveis. “Adotamos duas medidas para dar confiança aos senhorios para que coloquem as casas no mercado, uma é o Estado que arrenda e subarrenda, pagando ao senhorio e atribuindo as casas por sorteio”, diz. E a segunda medida: “Ao fim do terceiro mês sem receber a renda, o Estado passa a pagar a renda e é o Estado que faz a interlocução com o inquilino”.
Quanto à medida que obriga os proprietários a colocar as casas no mercado, António Costa lembra que “a obrigação já existe”. “Se arrendarem ao Estado, voluntariamente como propomos, têm um enorme benefício fiscal, isenção de IRS. Se não o fizerem, o Estado toma posse administrativa, arrenda, paga a renda ao senhorio, descontando os custos na reabilitação”, explica. “Não é legítimo ter as casas vazias”, diz Costa, assumindo que não espera problemas de constitucionalidade no diploma.
E sobre o alojamento local e os incentivos à sua passagem para arrendamento de longa duração? “Não tenho expetativa que as 100 mil casas em AL mudem”, mas lembrou que está prevista uma compensação para quem o fizer, “até 2030, IRS zero para rendimento predial”.
A inflação nos bens essenciais
“A inflação é dos fenómenos mais difíceis de combater”, assume o primeiro-ministro, reconhecendo a dificuldade em explicar os grandes aumentos em determinados bens alimentares. “O fenómeno tem de ser bem estudado”, diz “lembrando que a opção do governo foi a de “agir sobre as causas dos preços”. “Temos de ter tudo em equação, ir aprendendo com as boas medidas dos outros, e corrigindo os nossos próprios erros”, reconheceu o primeiro-ministro lembrando que o acordo feito em concertação social e função pública prevê “avaliações intercalares à evolução do custo de vida e ter isso em conta nas evoluções salariais”. “Nos últimos três meses, a inflação tem vindo a desacelerar, são só três meses, mas o mais provável é que a inflação prossiga essa trajetória”.
E o aumento da contestação social?
“O Governo tem de ter bem noção das dificuldades que os portugueses estão a passar”, reconheceu António Costa, lembrando os dois “anos terríveis de pandemia” seguidos de uma guerra com grandes impactos na economia. “Se é momento para o país estar eufórico e feliz? Claro que não. Claro que percebo a contestação social”, diz, recusando atribuir responsabilidades aos partidos da esquerda no incentivo aos protestos e centrando-se antes no “caldo social” instalado no país. E o exemplo escolhido foi o mais mediático. “O caso dos professores é muito específico. É uma classe que acumulou 15 anos de frustração pelos fatores mais diversos”, disse. “Não fui eu, nem o meu governo quem congelou a carreira dos professores, pusemos o relógio a contar em 2018. Não congelámos com a covid, não congelámos com a guerra”, defendeu o primeiro-ministro antes de deixar uma questão: “É justo, há alguma razão para que eu possa fazer para uma carreira específica o que não posso fazer para todas as outras? O país tem de fazer opções”.“Temos de dar passos, mas nunca maiores que a perna, para não tropeçarmos”
Os casos e casinhos
Foram "situações muito diversas”, voltou a assumir António Costa, falando em “situações lamentáveis pelas quais já pedi desculpa”. E para o resto da legislatura? “Nem um tanque com o maior grau de blindagem está blindado de incidentes. Estamos focados na execução do nosso programa”. E a quebra na popularidade? “Só com um milagre os portugueses fariam uma avaliação muito positiva do Governo num contexto em que temos vindo a sofrer um pico de inflação como há muito não sentíamos e com a perda de poder de compra”, defende recusando qualquer “desorientação” governamental. “Não podemos governar para as sondagens”, disse ainda o primeiro-ministro.
Evitando comentar as declarações recentes do ex-Presidente da República, Cavaco Silva, que considerou “perigosa” a situação política nacional, Costa lembra que os dois têm formas “distintas” de estar na política e que não percebeu os perigos a que o antigo Presidente se referia. “Não somos nós que governamos com o Chega nos Açores. Se a preocupação do professor Cavaco Silva é de ver pessoas da direita-democrática, nomeadamente do seu partido, a ficarem condicionadas pela ação do Chega, percebo. Se é essa a dimensão, acho perigoso”.
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