"Peso político negativo": Marcelo abriu a porta e Carla Alves demitiu-se em menos de uma hora
Carla Alves, a ex-secretária de Estado da Agricultura a quem Caleia Rodrigues vai suceder
O Presidente da República contrariou tudo o que o primeiro-ministro disse no Parlamento para segurar a secretária de Estado da Agricultura, cujo marido é acusado de corrupção. Marcelo disse nas televisões que Carla Alves tinha “limitações políticas”, recaía sobre ela um “ónus político”, e que devia “formular um juízo sobre si própria”. A governante ajuizou e demitiu-se pouco depois. Esteve 26 horas no cargo.
Marcelo Rebelo de Sousa matou o debate da moção de censura que ainda estava a decorrer no Parlamento, quando criou mais um facto político em direto, através das televisões, ao convidar Carla Alves, a nova secretária de Estado da Agricultura, a demitir-se. O Presidente da República contrariou a teoria da “legalidade ou constitucionalidade” defendida por António Costa durante a discussão na Assembleia da República, ao dizer que a nova governante tem uma “limitação política” que se torna num “ónus político” para quem exerce funções públicas. Menos de uma hora depois, a secretária de Estado demitia-se.
Depois de o primeiro-ministro ter segurado a nova secretária de Estado no hemiciclo, o Presidente empurrou Carla Alves, convidando-a a sair por sua iniciativa: “Esse é o juízo que a pessoa devia formular sobre si própria, quando avançou para determinado lugar”, argumentou Marcelo Rebelo de Sousa, sugerindo à governante a que deu posse esta quarta-feira a avaliar se “isto”, ou seja, o processo criminal do marido, “diminui ou não diminui a sua força política”.
Marcelo falou pelas 19h00. Quase às 20h, as redações recebiam um comunicado do Ministério da Agricultura: “A secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, apresentou esta tarde a sua demissão por entender não dispor de condições políticas e pessoais para iniciar funções no cargo. A demissão foi prontamente aceite”, lê-se na nota.
Este era um filme todo ele ao contrário do que acontecera nas horas anteriores, com o Governo e o PS a cerrarem fileiras em volta da socialista. Enquanto António Costa perguntou aos deputados “vou demitir alguém porque o marido é acusado?”, Marcelo Rebelo de Sousa colocou o problema exatamente a partir da perspetiva contrária, como uma questão “política” e não de “legalidade ou constitucionalidade” (palavras que Costa usou).
António Costa chegou a dizer a Catarina Martins, coordenadora do BE, que estava “espantado" por uma deputada do Bloco, colocar “a questão de saber a necessidade de demitir uma mulher no Governo, porque o marido é acusado num processo-crime”. E atirou que ”não se combate o populismo de direita com populismo de esquerda".
Ora Marcelo parece alinhar com os supostos populistas (segundo a perspetiva de Costa), quando evidencia as “limitações políticas” de Carla Alves, por ser mulher do ex-presidente de câmara de Vinhais, que está a ser investigado pela Polícia Judiciária, suspeito de crimes de corrupção ativa e prevaricação em vários negóciosentre 2006 e 2015.“Alguém, em abstrato, que tem uma ligação familiar próxima a alguém com uma acusação de natureza criminal, à partida tem uma limitação política” que resulta num “ónus político para o exercício da função”, afirmou o Presidente.
António Costa assumiu no Parlamento que ele próprio pegou no dossiê, ao afirmar que a secretária de Estado lhe garantiu,que “na conta dela, não há rendimento não declarados, não sabe se consta ou não nas contas do marido e que tudo o que ganhou declarou”. Mas deixou uma fresta aberta: “Em abstrato, se um membro do governo tiver na sua conta rendimentos não declarados, claro que não pode continuar.”
Quando foi questionado sobre se a secretária de Estado devia ser demitida, o PR respondeu, antes de mais, que não se queria pronunciar porque ainda estava a decorrer o debate da moção de censura, mas acabou por dar a entender que Carla Alves, já devia saber, de antemão, que ia tornar-se num embaraço para o Governo por causa do processo do marido. “O problema não é jurídico nem para já ético, é um peso político negativo, na pessoa que sabe que apareceu com esse peso”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.
Se nos fogos de 2017 o Presidente sugeriu de forma implícita a saída da então ministra Constança Urbano de Sousa, quando foram os casos de Eduardo Cabrita, Marcelo resignou-se porque não cabe ao Presidente demitir ministros que o chefe do Governo quer manter. Mas agora o PR foi absolutamente explícito ao retirar qualquer autoridade política à secretária de Estado que depois das suas declarações dificilmente teria condições para continuar. Resta saber até que ponto este “caso” vai afetar as relações entre Belém e São Bento, até porque na polémica da TAP, o Presidente foi o político mais ativo a manter o tema vivo durante o Natal e que culminou com a saída de Pedro Nuno Santos.
Marcelo trava abraço de urso de Costa na partilha de responsabilidades nas nomeações
Quanto à ideia anunciada por António Costa de criar um circuito de avaliação partilhado com Belém entre a proposta de um membro do Governo e a sua efetiva nomeação, o Presidente reagiu com aparente surpresa e quase afastou essa hipótese por ser uma forma de o primeiro-ministro se desresponsabilizar e de presidencializar mais o regime.
Marcelo sugeriu que se estudassem “outros direitos”, ou seja, os modelos de outros países. Depois, avisou que tinha de conhecer a proposta (ou trabalhar nela?) antes de o Governo a apresentar: “Tem de ser antes de o Governo a propor. Se tiver fragilidades, era melhor não fazer a proposta”. E ainda aludiu a um hipotético reforço do presidencialismo do regime: “O Presidente da República não se pode substituir ao primeiro-ministro” na escolha dos membros do Governo.
António Costa tinha afirmado: “Não acho que possamos ou devamos normalizar situações anormais. Irei propor ao Presidente da República que consigamos estabelecer um circuito entre a proposta de nomeação de membros do Governo, que permita evitar desconhecer factos que não estamos em condições de conhecer e [assim] garantir maior transparência”. Mas Marcelo não quer o Presidente co-responsabiliizado pelas escolhas do primeiro-ministro…
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