Os jovens são mais convictos e favoráveis à eutanásia, mas não há unanimidade: a discussão em 5 argumentos a favor e contra
MÁRIO CRUZ
Menos indecisos e tendencialmente mais favoráveis à despenalização da eutanásia: as últimas sondagens mostram que os jovens pensam de modo diferente sobre o tema que Marcelo mandou de volta para as mãos dos juizes do Tribunal Constitucional. O Expresso foi ouvir alguns deles, entre médicos, economistas, dirigentes associativos e estudantes, para perceber que argumentos usam e registou também alertas (para políticos ouvirem)
Se a grande maioria dos portugueses se mostra a favor da eutanásia (72,5%), essa posição é ainda mais forte quando olhamos para os jovens entre os 18 e os 34 anos (74,3%). Os resultados da sondagem da Intercampus para o jornal “Correio da Manhã” publicada a 22 de dezembro, demonstraram uma “maioria muito clara” a favor da despenalização da morte antecipada. “Os resultados foram uma surpresa, pela afirmação tão significativa nos três escalões etários”, partilhou com o Expresso António Salvador, autor do relatório.
Em 2019, a concordância dos jovens com a eutanásia já era notória – numa escala de 1 a 10, onde 1 correspondia a “concordo totalmente” com a frase “a morte medicamente assistida deve ser sempre permitida”, 72,9% dos jovens, entre 18 e os 24 anos, posicionaram-se entre o 1 e o 5. Também 73% dos jovens adultos, entre os 25 e os 34 anos, assumiram a mesma posição, de acordo com os dados do “Estudo Eleitoral Português, 2019”, liderado pela Marina Costa Lobo. Três anos depois, a posição solidifica-se com um aumento de 1,3 pontos a favor – de 73% para 74,3%.
Mais: os jovens portugueses também se afirmam mais convictos das suas posições. “Como são jovens podíamos ter a ideia que este assunto não é nada com eles, mas afinal só 6,6% é que optaram pelo ‘não sei/não responde’. São menos indecisos quanto à posição a assumir”, observa António Salvador. Esta solidificação está a acontecer desde 2019, já que a percentagem de jovens a escolher “não sei/não responde” passou de 10,1% para os atuais 6,6% – uma diminuição de 3,5%.
O novo diploma sobre a morte medicamente assistida (uma terceira versão depois de um veto do Presidente e de um chumbo no Tribunal Constitucional) foi aprovado pelo Parlamento em dezembro de 2022. Depois do Chega ter apresentado um recurso alegando existirem “alterações significativas no texto final” – rejeitado pelo presidente da Assembleia – o diploma chegou a Belém, esta quarta-feira. Marcelo Rebelo de Sousa já fez saber que a lei irá seguir agora para nova fiscalização do Tribunal Constitucional. O presidente alega querer garantir que a nova versão cumpre as “exigências de densificação e concretização” pedidas pelo TC em 2021.
Partindo daqui, fomos conhecer alguns dos argumentos, a favor e contra, de uma geração convicta e mais favorável à lei da eutanásia, mas não unânime sobre um tema divisivo e sensível na sociedade.
“Quero viver num país que respeita a vontade individual de quem, em autonomia e plena consciência, quer antecipar a morte em circunstâncias de sofrimento inimaginável”, começa por partilhar Mariana Esteves, de 26 anos, economista pela Faculdade de Economia do Porto e especialista em Políticas Públicas. Esta posição favorável à eutanásia invoca a necessidade de respeitar a autonomia de cada indivíduo e respeitar o desejo de um “fim de vida digno”.
Também Raquel Mendes, médica, recorre a este argumento. “Temos de ter a liberdade de decidir essa parte final da nossa vida, de como queremos morrer e se queremos morrer com alguma dignidade”. Apesar de salientar que os “valores pessoais” têm um grande peso na posição em relação à eutanásia, a jovem de 27 anos admite que a medicina ajuda a ver a “realidade” dos hospitais e o “estado das pessoas” antes de morrer. “A mim afetou-me [o exercício da medicina], mas tenho noção que os estudantes da minha área já estão programados para uma noção de vida diferente”.
Assim como Raquel, Francisco Franco Pêgo, ex-representante da Associação Nacional de Estudantes de Medicina, não vê na profissão a razão para ser a favor da legalização da eutanásia. “Se não tivesse estudado medicina, acho que tinha esta mesma opinião”. Contudo, o interno de Formação Geral defende que a profissão o levou a dar um “particular valor” ao respeito pela “vida humana”, mas também pela “autonomia das pessoas”. “A decisão nunca pode ser paternalista, as pessoas devem poder decidir dentro da sua autonomia”.
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A lei “não obriga ninguém a fazer nada”
A ser aprovada, a lei vai permitir a morte medicamente assistida a pessoas “em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável”. Para Raquel Mendes, a aprovação deste diploma “não obriga ninguém a fazer nada” e “apenas deixa as pessoas que o queiram fazer, fazê-lo”. Quase com as mesmas palavras, surge Tiago Rego, de 33 anos, vice-presidente da Confederação Europeia das Associações Juvenis. “Esta despenalização não obriga ninguém a morrer, apenas está a ser dada uma escolha a quem mais precisa dela”. O jovem licenciado em Farmácia destaca as pessoas com “doenças terminais prolongadas, em sofrimento, com perda de capacidades físicas e mentais” que podem colocar em causa a “dignidade humana”.
Do lado da medicina, Francisco Franco Pêgo defende que o papel dos profissionais de saúde é garantir que a decisão de recorrer à morte medicamente assistida é “informada” e “não é volátil”. “Tal como as propostas de lei prevêem, é necessário que a pessoa reafirme várias vezes a sua intenção de morrer e que passe pela avaliação de uma equipa médica”.
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Assuntos “complexos” também devem ser legislados
Outro dos argumentos a favor da legalização da eutanásia passa pela necessidade de regularizar temas “complexos”, mas que fazem parte das prioridades da sociedade. “A eutanásia é um assunto complexo, mas isso não deve impedir que seja legislado”, começa por apresentar Francisco Franco Pêgo. E lembra: “Não foi por ser complexo legislar sobre o aborto, os escalões de IRS ou o Rendimento Social de Inserção que se deixou de legislar sobre isso”. Tiago Rego partilha da mesma opinião, mas lembra que a regulamentação deve ser “objetiva” e que não devem existir “ambiguidades”.
Mas não, não há unanimidade. Ainda que a grande maioria dos jovens seja a favor da despenalização da eutanásia, existem 19,1% que defendem que o ato deve manter-se fora da Constituição. Lia Alves, de 19 anos, criadora digital conhecida no Instagram pelas dicas para estudantes (@es.tu.dar), faz parte desta minoria. Invocando o artigo 24º da Constituição Portuguesa sobre o Direito à Vida – que prevê que “a vida humana é inviolável” –, Lia Alves não dúvida que a aprovação do diploma da morte medicamenta assistida é “inconstitucional”. Também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no artigo 2º, consagra o “direito à vida”. “A vida humana está consagrada e é inviolável”, reforça a influencer também enquanto cristã católica.
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Primeiro devem estar os “cuidados paliativos”
Um dos eixos principais do discurso de quem está contra a eutanásia – incluindo os mais jovens – é a defesa de uma melhoria dos cuidados continuados e paliativos para aliviar o sofrimento de quem está na fase final da vida. Raquel Frade, de 24 anos, demonstra isso mesmo. “Não temos cuidados paliativos dignos para podermos avançar muito com a conversa da eutanásia”. A mestre em Relações Internacionais defende que a resposta do Estado ao sofrimento das pessoas deve passar por um “investimento” em melhores “cuidados paliativos”, ao invés da morte medicamente assistida. “O próprio ministro Manuel Pizarro reconheceu que há insuficiências nos cuidados paliativos”.
Do ponto de vista de Raquel, “não é aceitável que o sofrimento se torne insuportável para qualquer pessoa”. Para evitar este “sofrimento” é necessário que o Estado ofereça uma “resposta digna”, mesmo às pessoas com “menos condições económicas”. “Quando alguém está a sofrer, a resposta do Estado não pode ser oferecer a morte em vez de cuidar”.
Também Lia Alves, vê que a solução para o “sofrimento físico e psicológico” passa antes pelo investimento nos cuidados paliativos. “As pessoas não procuram morrer, elas procuram que o seu sofrimento termine. A eutanásia não acaba com o sofrimento, mas com a vida”.
Ambas as jovens não têm quaisquer hesitações em afirmarem-se como católicas. Ainda assim, Raquel Frade vê a religião como “um fator, mas nunca uma justificação”. “Todos temos valores nos quais acreditamos, mas não justificamos coisas tão sérias e tão sensíveis como a eutanásia com os nossos valores mais pessoais”.
Este texto faz parte de um conjunto de conteúdos que o Expresso publica para falar diretamente com os leitores mais jovens e sobre aquilo que os afeta mais de perto. Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail para aqui.
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