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Marcelo manda eutanásia para Tribunal Constitucional: "Exige-se a maior certeza jurídica possível"

Marcelo manda eutanásia para Tribunal Constitucional: "Exige-se a maior certeza jurídica possível"
TIAGO PETINGA/Lusa

"A certeza e a segurança jurídica são essenciais no domínio central dos direitos, liberdades e garantias", justifica o Presidente. Na sua terceira versão, o diploma foi “substancialmente alterado” e há uma opção por um “regime menos restritivo” , considera o Presidente

O Presidente da República pediu ao Tribunal Constitucional a fiscalização da lei que legaliza a eutanásia. “A certeza e a segurança jurídica são essenciais no domínio central dos direitos, liberdades e garantias”, justifica Marcelo Rebelo de Sousa na nota em que dá conta do envio do diploma para o TC. E em que também lembra a decisão do Constitucional em 2021.

“Tendo presente que, em 2021, o Tribunal Constitucional formulou, de modo muito expressivo, exigências ao apreciar o diploma sobre morte medicamente assistida – que considerou inconstitucional – e que o texto desse diploma foi substancialmente alterado pela Assembleia da República, o Presidente da República requereu a fiscalização preventiva do Decreto n.º 23/XV, acabado de receber, para assegurar que ele corresponde às exigências formuladas em 2021”, escreve o Presidente, que, como se lê, já tinha a decisão preparada. O próprio reconhece que enviou o diploma assim que o recebeu esta quarta-feira.

Na mesma nota, Marcelo também faz referência a um dos últimos problemas levantados sobre a lei: não terem sido ouvidas as assembleias legislativas de Açores e Madeira. Começa por escrever que “de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, parece não avultar, no regime substantivo do diploma, um interesse específico ou diferença particular das Regiões Autónomas”. Contudo, parece encontrar problemas territoriais na versão da lei que agora chegou a Belém.

“Quanto ao acesso dos cidadãos aos serviços públicos de Saúde, para a efetiva aplicação desse regime substantivo, o diploma só se refere a estruturas competentes exclusivamente no território do Continente (Serviço Nacional de Saúde, Inspeção-Geral das Atividades de Saúde, Direção-Geral de Saúde), em que não cabem as Regiões Autónomas. O que significa que diploma complementar, que venha a referir-se aos Serviços Regionais de Saúde, que são autónomos, deverá, obviamente, envolver na sua elaboração os competentes órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira”, escreve Marcelo.

O diploma enviado esta quarta-feria de São Bento para Belém e de Belém apra o TC é a terceira versão da legalização da eutanásia aprovada pelo Parlamento. A primeira foi enviada para o TC e considerada inconstitucional, a segunda foi vetada por Marcelo num momento em que já tinha decidido a dissolução do Parlamento.

Não pode haver indefinição, alerta o Presidente

No seu pedido ao TC, contudo, Marcelo não faz qualquer referência às questões regionais, por considerar que, a haver, devem ser resolvidas na regulamentação da lei. O texto do PR enviado para os juizes centra-se sobretudo na necessidade de definição de conceitos. O Presidente nota que o Parlamento, nesta versão, escolheu “um regime menos restritivo no tocante à morte medicamente assistida não punível, ao suprimir a existência de doença fatal e a alusão a ‘antecipação da morte’”, pelo que é preciso garantir que os novos termos correspondem à exigência de “densificação” que o TC tinha apontado na anterior decisão.

Para Marcelo é “essencial que o Tribunal Constitucional se pronuncie quanto à questão de saber se, no quadro da opção fundamental ora assumida, o legislador cumpriu as obrigações de densificação e determinabilidade da lei, ademais numa questão central em matéria de direitos, liberdades e garantias”. E ainda sublinha: “Como se compreende, como já teve ocasião de afirmar o Tribunal Constituciuonal, uma indefinição conceptual não pode manter-se, numa matéria com esta sensibilidade, em que se exige a maior certeza jurídica possível.

Texto amplo e “liberal”

Foi enquanto os novos dois ministros e seis secretários de Estado aguardavam a tomada de posse em Belém, na tarde desta quarta-feira, que Marcelo fez chegar a nota que anunciava a sua decisão de pedir a fiscalização da lei que legaliza a eutanásia ao Tribunal Constitucional. À saída, as atenções dos jornalistas dividiram-se entre as conversas de Pedro Nuno Santos e Fernando Medina e as declarações do presidente da República sobre a lei da morte medicamente assistida. O Presidente defendeu como “argumento único” a necessidade de garantir que a última formulação da lei aprovada na Assembleia da República em Dezembro do ano passado preenche as “exigências de densificação e concretização” pedidas pelo Tribunal Constitucional em 2021.

No primeiro diploma, aprovado pelo Parlamento em 2021, o TC considerou inconstitucional “algumas regras” e, mesmo depois de voltar a ser discutido na Assembleia, permaneceram “contradições”. Uma dessas “contradições” apontadas por Marcelo foi a exigência de doença fatal, não incluída em todas as versões do diploma. Desta vez, a questão está “ultrapassada”. “A Assembleia optou por um dos caminhos indicados pelo TC: excluir a exigência de doença fatal”. Esta escolha leva o presidente a considerar a versão do texto final como mais “ampla” e “liberal” dentro das possibilidades de legislação da morte medicamente assistida.

Marcelo Rebelo de Sousa considerou o envio do diploma para o TC “muito importante” por ser uma lei que, a vir a ser promulgada, será aplicada por várias instituições e “convém” que exista uma “certeza de direitos” sobre aquilo que é o “entendimento da Constituição” sobre o documento e uma “pronúncia prévia” do TC sobre possíveis “dúvidas de inconstitucionalidade”.

Tal como já constava na nota publicada no site da Presidência da República, o presidente voltou a explicar as razões que o levaram a negar o pedido das assembleias legislativas de Açores e Madeira de considerar a lei da eutanásia inconstitucional por estas não terem sido ouvidas antes da aprovação do documento. Marcelo explica não “ter acolhido” o pedido por duas razões: o TC não considerar que há “obrigação” de ouvir as regiões autónomas, uma vez que é uma “matéria tratada a nível nacional”; e, apesar de “parte da aplicação” da lei ser “pensada para o SNS” e entidades com “competência no território nacional”, isso ser “resolúvel” na documentação do diploma.

Quanto ao timing de envio do diploma, Marcelo explicou que apenas recebeu a versão final da lei esta quarta-feira à tarde e, depois de assinar “as cartas”, fez seguir toda a documentação para o TC. Foi o “tempo de chegar a Belém”.

Texto atualizado ás 20h50 com as declarações do Presidente da República

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