Depois de se ter envolvido particularmente no caso da polémica indemnização de Alexandra Reis na TAP, que levou à demissão da secretária de Estado do Tesouro, Marcelo Rebelo de Sousa voltou a falar esta quarta-feira sobre o caso deixando avisos para o futuro: primeiro, ainda é preciso ver se uma empresa como a TAP, que tem quase exclusivamente capitais públicos mas obedece às regras de mercado, deve ou não obedecer às regras do Estatudo do Gestor Público nos acordos de rescisão; depois, é preciso que os membros do Governo e todos os que exercem funções públicas se mentalizem de que o escrutínio sobre a vida passada aumentou. E o Governo não deve hesitar: se a vida passada de um membro do governo estiver a “pôr em causa a perceção política e a afirmação política do Governo”, então deve sair.
“O que está aqui em causa para o futuro é retirar a lição de que os que querem assumir funções políticas num determinado momento estão crescentemente sujeitos a escrutínio sobre a sua vida passada. Isto aplica-se ao Presidente da República, aos membros do Governo e a a todos os níveis”, disse o Presidente da República esta quarta-feira em declarações aos jornalistas no Cabo da Roca, depois de ter desvalorizado a existência de problemas políticos com os ministros responsáveis pela tutela da TAP, Pedro Nuno Santos e Fernando Medina. “Estamos perante uma situação em que todos percebemos que o PR desconhecia, o PM desconhecia, e os ministros desconheciam”, disse.
Em todo o caso, o Governo tinha de agir rapidamente uma vez revelada uma situação “passada” de um membro do Governo que estava a “pôr em causa” a tal perceção política e a afirmação política do executivo. “Como assinalei desde o início, era importante a questão política, não tanto ética nem apenas jurídica, do que tinha acontecido. O Governo retirou a conclusão política, e bem”, tinha começado por dizer.
Para Marcelo, contudo, a questão jurídica ainda é duvidosa. “O entendimento que existe é uma interpretação jurídica da intervenção de uma entidade de capitais públicos. Saber se a empresa está ou não sujeita ao Estatuto do Gestor Público é uma discussão que ainda vai dar, no futuro, muitas investigações porque é útil saber se as poucas entidades que estão nesta situação, onde o Estado tem praticamente a totalidade do capital, devem estar excecionadas ou não do Estatuto do Gestor Público (EGP)”, disse o Presidente da República, levantando dúvidas nesse sentido: sendo a TAP uma empresa de capitais públicos sujeita às regras concorrenciais, que está excecionada do EGP no que diz respeito às remunerações dos seus gestores, deve também estar excecionada nos limites e tetos no que diz respeito aos acordos de rescisão e indemnizações? Não deve estar excecionada de todo e deve obedecer às regras das empresas públicas, com mais limitações e remunerações inferiores?
“A questão é uma interpretação do EGP, vamos ver se se aplica a uma situação como esta. Vale a pena ver se é possivel ou não haver acordos de rescisão, ou se estas sociedades de capitais públicos que não são vistas como empresas públicas estão ou não cobertas, ou se em todas as empresas públicas deve haver um regime homogéneo”, disse o Presidente da República levantando mais questões: “Para a TAP, o diploma exclui a aplicação do estatuto, mas isso cobre os acordos de rescisão? Sim ou não?”, atirou, vocalizando perguntas que, sabe o Expresso, o próprio Governo também levantou, admitindo haver interpretações jurídicas diferentes sobre se a TAP está ou não excecionada do estatuto no que às rescisões diz respeito (já que está excecionada no plano das remunerações dos seus gestores).
8 demissões em 8 meses. “Não vale a pena tentar mater uma solução fixista que não é boa”
Quanto ao resto, Marcelo foi pragmático, ao estilo “habituem-se”: o escrutínio aumentou, o ritmo da vida política aumentou, logo, o Governo tem de apertar a malha à fiscalização do passado daqueles que escolhe nomear. Caso contrário, vai haver mais remodelações e saídas do Governo. Para o Presidente da República, mais vale o Governo ajustar, remodelar e deixar cair quem põe em causa a atuação do Governo do que perpetuar “soluções fixistas”.
“Antes via-se só se [determinada pessoa] tinha competência ou não, se tinha algum passado que inavibilizava, agora é muito mais sofistifcado o escrutínio. Agora é preciso ver o que a pessoa fez na carreira autárquica, administrativa, na vida profissional”, disse, admitindo que “houve uma mudança nas democracias” e o caminho é o do aumento do grau de escrutínio e do aumento da exigência por parte das pessoas. Hoje em dia, “é preciso apurar o que durante muito tempo não se apurava”, disse, recordando até o tempo em que trabalhava na comunicação social, em que houve vários casos revelados de governnates que tinham incorrido em comportamentos no passado que, do ponto de vista pessoal podia não ter relevância, mas que ganhavam outro peso quando passavam a ser responsáveis políticos.
Questionado sobre se oito demissões em oito meses é sinal de que está em causa o regular funcionamento das instituições, Marcelo desvalorizou preferindo pôr a tónica noutro ângulo: se há problemas e erros, mais vale o Governo substituir e corrigir.
“A história política portuguesa mostra que quando as pessoas têm qualquer problema no exercício das suas funções, é melhor substituí-las do que mantê-las numa situaçao de apodrecimento para o Estado e para as funções que exercem”, disse, rejeitando a teimosia das “soluções fixistas”. “A democracia é isto mesmo, não vale a pena tentar manter uma solução fixista que não é boa”, disse, lembrando antigos erros de orgânica e de pessoas que este curto governo de maioria absoluta já foi obrigado a corrigir - como é o caso do erro de orgânica de Costa ter abdicado de uma secretaria de Estado adjunta e ter nomeado em vez disso um gabinete de comunicação, que já levou o executivo a assumir o erro e a desencadear mudanças nesse sentido, ou o erro de ter nomeado o ex-autarca de Caminha que tinha dois processos judiciais em curso.
“A renovaçao é tão mais intensa quanto maior é o escrutínio”, disse, assumindo que “quando se chega à conclusão de que se está a pôr em causa a perceção e a afirmação política do Governo, é melhor substituir”. Para Marcelo, o que importa agora é que o Governo se concentre no ano “muito importante” de 2023, em que vai ser preciso executar com eficácia os fundos europeus. O Presidente da República, garantiu, vai estar atento e fiscalizador. “Se para isso for necessário ir mudando o governo, muda-se. Se basta o que já se mudou, veremos se é suficiente”.
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