Política

Costa explica brilharete no défice aos socialistas: "Permite-nos entrar no ano menos condicionados pelos mercados"

Costa explica brilharete no défice aos socialistas: "Permite-nos entrar no ano menos condicionados pelos mercados"
RODRIGO ANTUNES/LUSA

No jantar de Natal dos socialistas, Costa explicou a importância do défice e dívida baixos para o Governo não estar tão “condicionado” na sua atuação. E garantiu que a maioria socialista vai aprovar as leis que quer - como a agenda do trabalho digno - mesmo que a oposição obstaculize. “Pode não ser amanhã, mas vamos aprovar”, garantiu, pedindo serenidade aos socialistas. São quatro anos, há tempo

Costa explica brilharete no défice aos socialistas: "Permite-nos entrar no ano menos condicionados pelos mercados"

Rita Dinis

Jornalista

A maioria socialista mal cabia toda na sala do restaurante Zambeze, em Lisboa, tal foi o crescimento em número de deputados (a que se somaram os membros do governo presentes, assim como os funcionários do grupo parlamentar) desde a última vez que, há dois anos, tinha havido um ajuntamento semelhante para celebrar a quadra natalícia.

Dividida em duas salas, a maioria absoluta ouviu António Costa explicar o porquê de, afinal, o Estado ter um défice ainda mais baixo do que tinha previsto e uma dívida menor em percentagem do PIB - não é por manter o dinheiro no bolso, disse, é para ter a robustez necessária para enfrentar imprevisibilidades. Costa falou, falou, apelou ao tão falado “diálogo” com a oposição ao mesmo tempo que disse que a maioria iria aprovar, custe o que custar, a legislação que tem em carteira, e, no final, provou um ponto: “Não estou cansado”, ao contrário do que diz.

“É importante podermos sair deste ano com um défice melhor e a dívida menor porque isso reforça a confiança, por um lado, e, por outro, permite-nos encarar a incerteza do próximo ano sabendo que vamos entrar no ano menos condicionados e menos expostos aos mercados do que estaríamos”, disse no discurso que fez perante os 120 deputados socialistas e muitos (quase todos) membros do governo - Pedro Nuno Santos, Duarte Cordeiro ou Pedro Adão e Silva foram ausências notadas.

O secretário-geral socialista realçou ainda a importância de Portugal comparar bem com as principais economias europeias, e não com o pelotão de trás. “Se fecharmos o ano com uma dívida melhor do que a de Espanha em percentagem do PIB, e a aproximarmo-nos da de França, ficaremos com outra tranquilidade e menos expostos à volatilidade dos mercados”, disse.

O ponto era explicar ao universo socialista, que receia que o governo esteja a manter os cofres cheios à custa de um ano de crise, que isso não está a acontecer. “A diminuição do défice não resulta do aumento extra da receita com do IVA [à custa da inflação alta]. Nós temos devolvido tudo o que recebemos a mais”, garantiu, depois de já ter sublinhado que “já gastámos tanto este ano em medidas extraordinárias como gastámos nas medidas de apoio à covid”. E isso tudo “sem aumentar impostos” e “mantendo margem para responder” às crises.

Ou seja, não é à custa do empobrecimento dos portugueses, como diz o PSD, que o Estado faz brilharetes no défice, disse. O brilharete resulta antes das contribuições para a Segurança Social, que se têm “mantido num bom ritmo”, do desemprego, que tem estado controlado, e do maior crescimento da economia como um todo. O importante, disse, é “manter esta trajetória” para enfrentar a imprevisibilidade da guerra que não tem fim à vista. “Num cenário de incerteza, o fundamental é mantermos as certezas: certeza de que vamos cumprir o nosso programa, certeza de que vamos cumprir os compromissos e certeza de que vamos manter as contas certas”, disse.

Gerir crises, sim, mas não só

Antes, Augusto Santos Silva, na qualidade de deputado socialista que é presidente da Assembleia da República e, como tal, segunda figura do Estado, tinha deixado uma mensagem semelhante, que daria força ao discurso do primeiro-ministro: o país está melhor do que estava em 2015, as pessoas têm mais mecanismos de proteção dos seus rendimentos (e, além dos salários, pagam menos nas creches, nos manuais escolares, nas taxas moderadoras) e não vale a pena criticar o governo por passar o tempo a “gerir crises” porque se as crises aparecem, a tarefa do governo não é outra senão a de as gerir e superar.

“Se fizerem o exercício, que eu não faço muito, de comparar os indicadores de 2015 a 2022 percebem como o país mudou. E não se deixem encantar pela litania das reformas estruturais, pensem antes na mudança estrutural que o país tem tido”, sugeriu, afirmando que às vezes é a sociedade que muda, nomeadamente em matéria de costumes, e cabe ao legislador ir adaptando as leis a essas mesmas mudanças. A referência implícita era para o processo de revisão constitucional que vai arrancar em janeiro, por impulso do Chega e do PSD, e a contragosto de uma parte significativa dos deputados socialistas, que não entendem que seja prioritário.

Quanto ao resto, “aos que dizem que nos limitamos a gerir crises, o que queriam que fizessemos se as crises estão aí?”, atirou o presidente da Assembleia da República.

Maioria entre o “dever de diálogo” e a garantia de cumprir o programa

Costa pegaria precisamente nisso para dar o outro lado da moeda. “Se não geríssemos estas crises quem geria por nós?”, atirou, numa referência à oposição. O PS tem “gerido crises”, sim (primeiro o pós-troika, depois a pandemia, agora a guerra), mas sem “comprometer a mudança estrutural que queremos para o país”, disse ainda, dando como exemplos as metas que quer atingir no final da legislatura, não só ao nível do aumento do peso dos salários em percentagem do PIB, como também ao nível da descarbonização, da “democratização do acesso ao ensino superior” ou da meta de chegar a 2026 com 80% de eletricidade com origem renovável, o que ajudará também as empresas a terem menos custos com energia.

Tudo isto, disse, “exige serenidade”. Ou seja, não se faz tudo de uma vez (a tal “litania das reformas estruturais”), vai-se fazendo. E foi aí que, com o grupo parlamentar em peso a ouvi-lo, e o líder parlamentar à cabeça, elencou algumas das reformas que o PS tem conseguido aprovar no Parlamento, como a lei da nacionalidade, o novo regime das ordens profissionais que será aprovado amanhã, ou a agenda do trabalho digno que, “infelizmente”, não vai ser aprovada amanhã no Parlamento, como os socialistas queriam, devido a obstáculos colocados pelos partidos da oposição. Mas também aí, o líder socialista pediu serenidade: “Pode não ser amanhã, mas vamos mesmo aprovar”, garantiu.

Isto porque os socialistas têm dois deveres: o de cumprir o programa com o qual foram a votos e que lhes valeu a maioria absoluta, e o “dever de diálogo” com a concertação social, os municípios e as oposições. No final, António Costa garantiu: “Como viram, não estou cansado. Posso descansar-vos e permitir-vos jantar”, disse. Estão feitos os votos de Natal da família socialista.

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