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Cravinho não reconduziu diretor-geral suspeito por "dúvidas", mas achou "adequado" nomeá-lo para empresa pública

Cravinho não reconduziu diretor-geral suspeito por "dúvidas", mas achou "adequado" nomeá-lo para empresa pública
Divulgacao

O ex-ministro da Defesa foi ao Parlamento assumir que não reconduziu Alberto Coelho - hoje suspeito de corrupção - como diretor-geral por causa das “dúvidas” que havia sobre a sua atuação, mas admitiu “adequado” nomeá-lo para presidir a uma empresa das indústrias de Defesa. O seu ex-secretário de Estado, agora deputado, disse que não foi informado dessa nomeação.

João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-ministro da Defesa, revelou que a Inspeção-Geral de Defesa Nacional lhe sugeriu aprovar retroativamente a derrapagem de €2,4 milhões nas obras do Ex-Hospital Militar de Belém, mas ele recusou. Cravinho foi ao Parlamento para um debate de urgência requerido pelo Chega, e responder às perguntas dos deputados sobre como lidou com os indícios de corrupção no Ministério da Defesa, mas repetiu ter feito tudo “o que se exige a quem tem responsabilidades públicas”, alegando qeu foi “prudente” e "pró-ativo".

Aliás, o ex-ministro da Defesa, foi muito claro a dizer que "não" autorizou nem lhe foi solicitado pelo suspeito "que autorizasse” a despesa que resultou numa derrapagem de €750 mil para €3,2 milhões de euros nas obras de requalificação do ex-Hospital Militar de Belém, um dos factos que desencadeou o processo que levou à operação Tempestade Perfeita e à detenção do então diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN), Alberto Coelho, suspeito de corrupção e branqueamento.

Criticado por toda a oposição, na sua intervenção inicial Gomes Cravinho elencou a “fita do tempo”, para esclarecer que a auditoria da Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) que detetou “inconformidades legais” nas obras do antigo hospital, foi enviada para o Tribunal de Contas, mas não para a Procuradoria-Geral da República e que só o fez quando saíram notícias sobre as empresa envolvidas. Antes disso, explicou que a própria inspeção-geral lhe “indicou que, face à falta de competência decisória do DGRN [Alberto Coelho], poderia fazer um despacho retroativo de delegação de competências, autorizando as despesas” e as derrapagens à data em que foram decididas. Mas o ministro entendeu não o fazer, “porque careciam algumas respostas que justificassem o aumento dos custos da obra face ao inicialmente previsto”. E resolveu “esperar pelo Tribunal de Contas” que aplicaria uma multa de €15 mil a Alberto Coelho.

Entretanto “face às dúvidas" surgidas no final de mandato do diretor-geral, o ministro entendeu “não reconduzir” Alberto Coelho como DGRDN, disse aos deputados. Passados poucos meses, porém, as mesmas “dúvidas” não o impediram de nomear o mesmo alto funcionário como administrador da ETI - Empordef Tecnologias de Informação: “Tendo em conta a sua experiência e conhecimento acumulado na Defesa Nacional, sem que houvesse alguma suspeita dolosa nessa altura, entendi adequada a sua nomeação para uma empresa das indústrias de defesa”, disse Cravinho aos deputados.

Só depois “surgiram suspeitas novas e graves na comunicação social sobre as empresas contratadas, e, em 20 julho [de 2020]" o ministro pediu "à IGDN para fazer uma reavaliação da auditoria inicial”, revelou o Cravinho, facto que ainda não era conhecido. “A reavaliação diz que a auditoria inicial não apontava para eventuais responsabilidades criminais”. A nova, recomendava “que face a novas informações, a matéria devia ser enviada ao Ministério Público”, o que o ministro só fez em agosto de 2020, seis meses depois de ter sido conhecido o primeiro relatório.

“Em cada momento, com a informação que tinha, fiz exatamente o que devia fazer”, reafirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros. justificando que foi “prudente” e “pró-activo” em cada um dos momentos. Mas não esclareceu várias questões colocadas pelos deputados: porque manteve a auditoria classificada vários meses? Por que razão nunca foi desencadeado um processo disciplinar contra Alberto Coelho? Porque é que as dúvidas para não o reconduzir não valeram quando o nomeou para a ETI?

Colocada por André Ventura na primeira intervenção do debate, a dúvida sobre se a nomeação de Alberto Coelho para a ETI tinha sido feita contra o então secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, teve uma resposta do agora deputado socialista. O ex-secretário de Estado da Defesa pediu a palavra para dizer a nomeação nem lhe foi comunicada: “São factos errados que vão inquinar o debate, dizendo que estive contra uma nomeação que não conhecia, portanto, eu não podia estar contra”, disse Seguro Sanches. Mas o Expresso sabe que o choque entre o ministro e o secretário de Estado se deu quando este soube da nomeação, da qual discordava, mas a decisão já tinha sido tomada.

O Chega, que requereu um debate de urgência no plenário, foi vítima da pressa, porque este não será o melhor modelo para questionar um membro do Governo que um partido queira pressionar. Uma ida à Comissão de Defesa, como queria o PSD, não teria sido um passeio tão fácil como o do ex-ministro com a tutela das Forças Armadas esta terça-feira. Mas André Ventura não tem assento na Comissão Parlamentar de Defesa.

Na sua intervenção, Ventura enfatizou o “desprestígio” das Forças Armadas após o “escândalo que abalou os alicerces” da instituição" e criticou a nomeação de Alberto Coelho para a ETI, quando já havia suspeitas sobre a gestão do dossiê do ex-HMB.

Jorge Paulo Oliveira, do PSD, disse ter “as maiores dúvidas, e as maiores perplexidades” por o ministro ter “feito tudo o que se espera que não faça”, “desprezando o teor de dois despachos do seu secretário de Estado”. Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, recordou que Cravinho deu um visto a um desses despachos “'com enorme preocupação', recomendou a inspeção, mas não retirou disso consequências políticas sobre a nomeação de Alberto Coelho para a ETI, quando o despacho dizia que tinha 'extravasado as competências”. Rui Tavares, do Livre, deixou mais uma pergunta sem resposta: “Teria agido da mesma forma se soubesse o que sabe hoje?”

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