Raimundo estreia-se com “obrigado” a Jerónimo e avisos a quem “saliva e desespera pelo fim do PCP”
Ana Baiao
O PCP deu as boas-vindas ao novo líder que levantou a sala no agradecimento ao antecessor e provocou gargalhadas com um “conselho” para os que querem o fim do partido. “Podem esperar sentados”, sublinhou
Foi um discurso essencialmente programático que teve, no entanto, e ao contrário do de Jerónimo no sábado, um momento emotivo que levantou a sala. “Não esquecemos o papel de cada um no coletivo partidário”, lembrou o novo líder do PCP, Paulo Raimundo, como os comunistas fazem sempre questão de dizer. Porém, “certamente em nome de todo o partido, gostaria de dirigir uma palavra ao camarada Jerónimo de Sousa: obrigado!”.
É o dia 1 de Raimundo, que deixou agradecimentos ao agora ex-secretário-geral, pelo “empenho”, pelo “contributo”, pelo “papel”. “A alteração das tuas responsabilidades não significa um adeus, é um ‘até já, camarada’”. Minutos antes, Raimundo e Jerónimo apertaram-se no abraço de substituição.
“Que grande é o nosso partido”, começou Raimundo, com cerca de 900 delegados de olhos postos no palanque. “Com esta grandeza, força e determinação, é muito fácil levar adiante as tarefas, sejam elas quais forem, que o partido nos dá.” Era o único momento não escrito do discurso e serviu para galvanizar a sala.
Em ambiente seguro, Raimundo partiu depois para as tarefas do partido que o próprio vai liderar: ganhar a disputa narrativa sobre o fim da ligação ao PS, colando os socialistas à direita, reivindicar uma resposta à inflação que inclua aumentos de salários e pensões e taxas aos grandes grupos económicos, e voltar a mobilizar as massas, trazendo novos membros ao partido. Em resumo, e para citar o mantra mais vezes repetido neste fim de semana de Conferência Nacional, construir “uma alternativa política patriótica e de esquerda”.
É uma alternativa que obriga o partido a tomar a dianteira “pela urgência do aumento dos salários”, como também pelo das reformas e pensões, e pelo “fim da precariedade e da desregulação de horários”. Uma alternativa que obriga o PCP a estar nas empresas, mas também na rua, pelo “direito à habitação, à mobilidade e aos transportes públicos”, pela floresta e pelos ecossistemas. Até pelas creches e pelo direito das crianças a “serem felizes” - “a brincar, crescer e aprender” -, porque mesmo quando não fala diretamente de trabalho, é dos trabalhadores, e para os trabalhadores, que o PCP está a falar. Esses direitos das crianças, por exemplo, “só são possíveis garantindo as condições materiais dos seus pais”.
Ana Baião
“Certamente em nome de todo o partido, gostaria de dirigir uma palavra ao camarada Jerónimo de Sousa: obrigado!”
Do atual Governo de maioria absoluta, nada esperem os comunistas, avisa-se a partir do Comité Central. Raimundo foi deixando várias referências subtis ao PS, dizendo que o PCP não recorre a “manobras para cortar reformas e pensões”, tal como não olha para o clima “como nova oportunidade de negócio”. Noutros momentos, foi direto ao ataque.
“Contas certas para quem e com quem? A EDP, a Galp, a Jerónimo Martins, a Sonae?”, perguntou. Num momento de escalada da inflação e do aumento do custo de vida, “esta é a opção do Governo PS, bem evidente no Orçamento do Estado”. Como dizia Jerónimo no sábado, para os comunistas o PS e a direita já não se distinguem. “Com mais ou menos berraria e aparente discordância, [essa é] a opção de fundo de PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal”, afirmou agora Raimundo.
Tal como faz o Bloco de Esquerda, o PCP vai insistindo que foi o PS quem “forçou eleições antecipadas” e “chantageou” o país com a ameaça de uma maioria de direita, de forma a engolir a restante esquerda. “Mas, ao contrário do que pensou, o Governo não ficou totalmente de mãos livres”, avisou Raimundo. Vem aí “a luta dos trabalhadores e das populações” e a “intervenção do PCP”.
No momento dos avisos para fora, Raimundo até arrancou gargalhadas na sala. Disse que “há quem salive e desespere pelo fim do PCP”. E a seguir notou. “Pois daqui fica o conselho: esperem sentados.”
O momento é de reorganização, de voltar à oposição pura e dura nas ruas e de mobilizar os militantes, recrutando novos membros. A meta está inscrita e o novo líder lembrou-a. “Estar ainda mais enraizados nas massas”, “responsabilizar mil novos quadros até ao final de 2024” e “avançar na propaganda e imprensa partidária”, com destaque para o jornal “Avante”. Essas e outras ideias são fundamentais para o “reforço da capacidade” e a “independência financeira” do PCP.
Ana Baião
Numa intervenção de cerca de meia hora, Paulo Raimundo estreou-se pelo PCP sem fugir ao discurso escrito. Falta saber como reage agora no ambiente político e mediático que começa a enfrentar já este domingo - à noite dá a primeira entrevista ao canal público, RTP.
No fim do discurso, voltou para junto dos camaradas do Comité Central e abraçou outra vez Jerónimo. Seguiram-se as músicas de despedida, encerradas com o hino nacional. Ainda os delegados arrastavam cadeiras e já Jerónimo de Sousa se fechava numa das salas do Pavilhão do Alto do Moinho, em Corroios, que recebeu a Conferência do PCP este fim de semana. 18 anos depois, desce a cortina.
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