Miguel Alves alvo de três queixas-crime no DIAP de Viana do Castelo: coligação liderada pelo PSD suspeita de ajustes diretos ilegais
ANTÓNIO COTRIM/Lusa
As denúncias foram apresentadas esta semana no DIAP de Viana do Castelo contra incertos e o alvo é o demissionário secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro. Em causa estão contratos por ajuste direto à sociedade de comunicação e imagem 'Dignidade', ao jornal digital Caminh@2000 e a uma empresa de limpeza
Jorge Nande, líder da bancada 'O Concelho em Primeiro', apresentou três participações criminais contra incertos no DIAP de Viana do Castelo, enquanto representante do Grupo Municipal da coligação PSD/CDS-PP, Aliança e PPM, na Assembleia Municipal da Câmara de Caminha. Nas queixas a que o Expresso teve acesso, o visado é Miguel Alves, o presidente eleito da autarquia de Caminha que integrou o Governo socialista nos últimos dois meses e acabou por se demitir, na quinta-feira, da função de secretário de Estado Adjunto de António Costa.
Após ter resistido à saída na sequência do negócio para a construção de um Centro de Exposições Transfronteiriço em Caminha, pelo qual a Câmara pagou, sem garantias, um adiantamento de € 300 mil, Miguel Alves optou por renunciar ao cargo governamental na sequência da acusação de crime de prevaricação por ajustes diretos a uma empresa - a Make It Happen - de Manuela Couto, então mulher do ex-autarca socialista de Santo Tirso, Joaquim Couto, arguida nos processos Teia e Éter.
Miguel Alves foi ainda constituído arguido em novembro de 2019 no caso das Lojas Interativas de Turismo (LIT), num processo que tem como arguido principal Melchior Moreira, ex-presidente da Entidade Regional do Turismo do Porto e Norte de Portugal, ainda a aguardar julgamento no âmbito da Operação Éter. Ao Expresso, o então autarca de Caminha afirmou que os contratos para a instalação das LIT foram decididos pela sua antecessora (Júlia Paula, do PSD), entre 2012 e 2013. Contudo, segundo o Portal Base da Contratação Pública, o contrato de aquisição de equipamentos interativos e multimédia para as LIT de Caminha só foi adjudicado por ajuste direto em agosto de 2014, 11 meses depois de Miguel Alves ter sido eleito presidente da Câmara local.
O secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Luís Miguel da Silva Alves, durante a cerimónia de tomada de posse, que decorreu no Palácio de Belém, em Lisboa, em setembro de 2022
Nas recentes participações criminais no DIAP de Viana do Castelo estão em causa contratos "outorgados por adjudicação direta ou alegado procedimento de consulta prévia", que o representante do maior grupo político da oposição na Assembleia Municipal de Caminha suspeita terem sido efetuados à margem das regras da contratação pública.
Na primeira queixa, a beneficiária dos contratos é a sociedade comercial 'Dignidade' - Comunicação e Imagem, Lda, com sede na Maia -, gerida por Maria Rosa Sampaio, assessora da Câmara de Caminha desde que Miguel Alves foi eleito presidente daquela autarquia, em setembro de 2013. Na participação, é referido que a visada começou a exercer funções nos Paços do Concelho presumivelmente sem "qualquer tipo de contrato e sem retribuição", tendo apenas sido formalizado o vínculo laboral a 28 de abril de 2014, por ajuste direto no valor de € 49.500 , por 270 dias, o equivalente a € 5.500/mês. A participação é justificada com o facto de os procedimentos do concurso ultrapassaram os € 20 mil previstos no código da contratação pública, montante máximo legal para este tipo de contratos.
Apesar de o contrato ter cessado a 1 de janeiro de 2015, o documento avança que a assessora terá permanecido nas instalações da Câmara Municipal" a produzir conteúdos" e a divulgá-los por e-mail institucional para órgão de comunicação social local. O contrato terá sido renovado em março de 2017 por € 1.500/mês, de novo por ajuste direto, vínculo que seria revisto após consulta prévia em dezembro de 2018, desta vez por € 18 mil/ano.
A queixa adverte que, na base governamental da contratação pública, não está disponível informação sobre a possibilidade de outras empresas terem sido consultadas no âmbito deste contrato. O último procedimento contratual é de janeiro de 2022, tem o prazo de três anos e o valor de € 54 mil, desconhecendo o grupo "Concelho em Primeiro", se por ajuste direto ou consulta prévia ao mercado. A oposição manifesta estranheza pela presença da gerente da empresa de prestação de serviços de assessoria e marketing nas sessões da Assembleia Municipal "ou da bancada do PS".
Há uma semana, Jorge Nande avançou ainda com uma participação ao DIAP de Viana, também contra incertos, visando contratos da autarquia, por adjudicações diretas, do então presidente da Câmara local ao jornal digital Caminh@2000, propriedade do seu diretor Luís Almeida. Os contratos foram ainda enviados para o Tribunal de Contas para "apuramento de responsabilidade financeira".
Na base da queixa ao MP está o pagamento direto da autarquia para "publicitar" eventos do município "sem qualquer contrato", que o grupo municipal 'laranja' considera ser um meio para "financiar um órgão de comunicação social fiel e amigo" do partido que governa o município em maioria.
Segundo a denúncia, o pretexto para as adjudicações diretas ao jornal digital são a "ausência de recursos próprios", embora a Câmara tenha um site onde são divulgadas as informações municipais, publicadas também no Caminh@2000, sem que sejam identificadas como publicidade paga. Os contratos remontam ao primeiro mandato de Miguel Alves. Jorge Nande refere que o objetivo dos contratos é "favorecer na opinião publicada o PS de Caminha “e a gestão socialista de Miguel Alves” e na participação junta uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a instar o jornal "a cumprir escrupulosamente o dever de rigor informativo".
Na deliberação de 11 de outubro deste ano, a ERC considerou que a publicação violou o dever essencial de "demarcar factos de opinião, do dever de identificar as fontes de informação e do dever de audição das partes com interesses atendíveis nas matérias tratadas".
O grupo municipal liderado pelo PSD adianta agora na participação ao MP que poderá estar em causa a prática reiterada de eventuais crimes de exercício de funções públicas, sendo "impossível" aos deputados municipais aprofundarem mais o objeto da investigação, alertando que o executivo municipal de Caminha, "por decisão de Miguel Alves", obriga a oposição ao "pagamento" das fotocópias dos documentos solicitados para efeitos de fiscalização da atividade municipal.
Os ajustes diretos para "Serviços de Promoção de Eventos, Noticiário e Publicidade" do município ao Caminh@2000 foram alvo de denúncia ao Tribunal de Contas, em março deste ano, contratos anuais que totalizaram, entre 2016 e 2021, € 36 mil.
O grupo político 'O Concelho em Primeiro' avançou ainda com uma participação criminal contra incertos que visa várias sociedades comerciais por quotas, incluindo unipessoais, todas suspeitas ligações a Laurinda Corujeira de Araújo, candidata do PS à Junta de Freguesia de Vila Praia de Âncora, no concelho de Caminha, eleita para a Assembleia de Freguesia nas últimas autárquicas.
Na participação, alega-se que a empresária terá efetuado contratos por adjudicação direta superiores a € 450 mil, desde 2013, para prestação de serviços de limpeza em instalações municipais do concelho. Entre as sociedades do mesmo universo societário constam a Sociedade Laurinda e Sá, Lda, que se converteu em sociedade unipessoal - a VIALIMPA de Laurinda Araújo Unipessoal, Lda. Da esfera da empresária que é também presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vila Praia de Âncora, serão ainda as sociedades do mesmo sector 'Fragrância Acolhedora Unipessoal, Lda' e a 'Favorita D' Âncora, Lda'.
Por considerar que as adjudicações de serviços de higiene e limpeza do município serão pouco transparentes, o PSD local vai remeter a participação para o Tribunal de Contas.
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