Alexandra Leitão acha “incompreensível” caso do secretário de Estado Miguel Alves e sugere saída do Governo
Deputada socialista lembra que a condição de arguido já foi causa de demissões noutros governos de Costa e de exclusão de listas de deputados. Pacheco Pereira e Lobo Xavier pedem saída de Miguel Alves
Primeiro, um silêncio “inaceitável”, depois uma entrevista “infeliz” e tudo sobre um “caso um bocadinho incompreensível”. Foram estes os termos usados pela deputada socialista Alexandra Leitão, presidente da comissão parlamentar para a Transparência, sobre o caso que envolve o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, e ocorrido quando era presidente da Câmara de Caminha. No programa Princípio da Incerteza, na CNN Portugal, a ex-ministra acaba mesmo por deixar implicito que o caminho de Miguel Alves tem de ser a saída do Governo se for de facto arguido em dois processos.
Em causa está o adiantamento de 300 mil euros a um empresário que se propõe construir um centro de exposições naquele município. Depois de mais de uma semana em silêncio, Miguel Alves deu uma entrevista à TSF/JN em que defende o negócio. Um caso que já está a ser investigado pelo Ministério Público, mas Observador noticiou este sábado que o agora governante é arguido em dois outros processos que envolvem mais autarcas socialistas. E, ser arguido, lembrou Alexandra Leitão, já foi condição para ter de sair do Governo ou nem sequer integrar listas de candidatos socialistas.
“Não sabia que o Miguel Alves estava constituído arguido, se é que é”, questionou a deputada para lembrar como o facto de terem sido constituídos arguidos num processo por ter ido ver jogos do Euro2016 a convite da Galp levou à saída de três secretário de Estado do Governo: Fernando Rocha Andrade, João Vasconcelos e Jorge Costa Oliveira. “Em momento anteriores, de governos anteriores do mesmo primeiro-ministro, houve pessoas constituídas arguidas por outras circunstâncias. Duas dessas três pessoas já faleceram e a regra que houve foi ‘foram constituídos arguidos, saem do governo’. Mais: na feitura das listas, quer em 2019, quer em 2022, houve pessoas que ficaram fora das listas porque estavam constituídas arguidas”, realçou a deputada para quem a permanência de Miguel Alves no Governo cria “uma vulnerabilidade desnecessária”.
“É um critério e até posso ser uma daquelas pessoas que acha o critério muito exagerado – sabemos muito bem que é fácil constituir uma pessoa arguida e a constituição de arguido é uma coisa para proteger o próprio -, mas se há um critério que tem a ver com isso acho que é criar uma vulnerabilidade desnecessária, que até limita o próprio Miguel Alves nos seus direitos de defesa. E, portanto, acho todo este caso um bocadinho incompreensível”, concluiu Alexandra Leitão que se tornou, assim, a primeira socialista a falar publicamente deste caso e de forma crítica.
“Era absolutamente inaceitável que não tivesse havido uma quebra do silêncio sobre esta matéria. Foi tardio”, começou por dizer a ex-ministra sobre este caso. “Os políticos têm os mesmos direitos que os outros cidadãos, mas têm mais deveres. Têm mais deveres porque as pessoas lhes confiaram pelo voto não só a utilização de dinheiros públicos, mas muitas outras coisas, como a representação internacional. E parte desses deveres tem a ver com dar explicações e é por isso que este silêncio era inaceitável”, continuou a deputada e ex-ministra, que confessou ter ido ler a entrevista “com muito interesse” , mas acabou por ficar “um bocadinho desconcertada”. E por várias razões.
Primeiro, do ponto de vista da explicação para o caso. “Fiquei igual: é referido um parecer de um académico que conheço bem e por quem tenho enorme respeito; mas acho que não deve esconder-se por detrás de um académico. Do ponto de vista do caso que me parece confuso do ponto de vista da técnica jurídica nem vou falar; acho estranho.”
Depois, por causa da parte que achou “infeliz” de vitimização de Miguel Alves. Por vir de Caminha. “Ninguém persegue ninguém por vir daqui ou vir dali, não é isso que está aqui em causa. Se começarmos a achar que tudo é a mesma coisa então tudo vai ser a mesma coisa e o populismo vai grassar.” E por ser estar agora no Governo. “Não sei se estava a ser investigado ou não antes, seja pela justiça, seja por jornalistas. Acredito plenamente que a circunstância de ter vindo para o gabinete do primeiro-ministro não tenha sido despicienda para o momento em que a coisa surge, mas não valorizaria isso. Acho normal, é o escrutínio normal de quem está numa posição muitíssimo importante”, defende a deputada que não ficou “particularmente esclarecida pela entrevista”.
“Inaceitável”, dizem Lobo Xavier e Pacheco Pereira
No programa deste domingo à noite, o caso que envolve Miguel Alves foi o último assunto do programa. Antes de Alexandra Leitão, falou Lobo Xavier. E depois da socialista, foi Pacheco Pereira a dar a sua opinião. E ambos coincidiram no termo: “inaceitável”.
“Poderá haver uma explicação, agora uma semana de silencio sem uma palavra do primeiro-ministro ou dele próprio sobre este tema é inaceitável”, disse António Lobo Xavier, para quem a muleta que António Costa “inventou” para lidar com o caso Sócrates – “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política” – não se aplica porque se trata de um político no ativo.
“Percebia-se bem o que António Costa queria dizer. Convinha-lhe, mas era uma decisão aceitável. Neste caso é inaceitável. Não é à justiça o que é da justiça. Foi-nos ocultado que este homem foi para secretário de Estado sendo arguido em dois processos. Nunca aconteceu. Isto é mau do ponto de vista da democracia e é mau para o próprio primeiro-ministro”, afirmou o antigo dirigente do CDS.
Fazendo questão de colocar António Costa acima de qualquer suspeita – “Há uma coisa que juraria em qualquer lado: ele não tem nenhum simpatia por trapalhadas com dinheiro” - , Lobo Xavier atacou a “condescendência” do primeiro ministro com casos duvidosos. “Esta condescendência com estes casos mal explicados, com esta gente habilidosa que anda à volta dele é uma condescendência que ele pode pagar caro, que faz mal ao PS, faz-lhe mal a el e faz mal à democracia”, avisou, para concluir que, de todos os casos relacionados com membros do Governo conhecidos nos últimos tempos, este “é o único caso absolutamente inaceitável e inexplicável”.
“O melhor serviço que este homem fazia à democracia e ao governo de que faz parte era sair imediatamente e o melhor serviço que o primeiro-ministro fazia à democracia era empurrá-lo se ele não quisesse sair”, começou logo por dizer Pacheco Pereira, que não precisa “de mais nada do que a entrevista” para chegar a essa conclusão.
“A entrevista é desculpatória, vitimizadora e de uma arrogância insuportável e aquilo que é descrito como os factos que motivaram este escândalo público – pode não ser um problema de corrupção, mas é sem sombra de dúvida um problema de gigantesca incompetência e de amiguismo”, atacou o antigo dirigente do PSD para quem “este caso é inaceitável numa democracia”
Entrevista provoca reações
O caso que envolve Miguel Alves surgiu há dez dias nas páginas do diário Público que dava conta de um “adiantamento” duvidoso decidido pela Câmara de Caminha a um empresário para a construção de um centro de exposições. O Expresso, a seguir, deu conta que a empresa em causa, a Green Endogenous, S.A. faz parte de um grupo de investimento criado na hora. Este sábado, o Observador noticiou que Miguel Alves é arguido em dois processos.
O Governo inicialmente não deu qualquer resposta sobre este caso. A estratégia era considerar que se trata de um assunto relativo à Câmara de Caminha e não ao Governo. A oposição não fez do caso um assunto de combate político e este domingo o secretário de Estado quebrou o seu silêncio para defender o negócio. Miguel Alves esperaria com a entrevista à TSF e ao JN encerrar o caso. Mas a entrevista acabou por trazê-lo de volta ao topo da atualidade, com o líder do PSD a pedir, pela primeira vez, esclarecimentos. E com a sua colega socialista Alexandra Leitão a apontar às duas declarações poucos felizes e pouco esclarecedoras.
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