Política

Jerónimo, o líder-operário que sorria e obreiro da histórica 'geringonça'

Jerónimo de Sousa tinha mandato para liderar os comunistas até 2025
Jerónimo de Sousa tinha mandato para liderar os comunistas até 2025
Tiago Miranda

Jerónimo de Sousa, o antigo operário que sorri, gosta de ditados populares e assinou o primeiro acordo político à esquerda em Portugal, deixa, em 12 de novembro, a liderança do PCP, que ocupou nos últimos 18 anos

A saída de Jerónimo de Sousa tem sido comentada ciclicamente, dentro e fora do PCP, nos últimos anos. O próprio o fez por diversas vezes, dizendo que seria a “lei da vida”, embora sempre acompanhado com frases do género: “Tenho-me aguentado bem”.

A última vez que falou com assunto foi em entrevista à Lusa, em 22 de outubro, ao garantir que não iria esperar por qualquer reparo crítico relativamente à idade para deixar o cargo, porque está ciente de que “a lei da vida não perdoa”.

“Isto é quase um desabafo pessoal, os meus camaradas perdoar-me-ão, mas tive sempre esta ideia: ninguém é insubstituível”, afirmou em entrevista à agência Lusa a propósito da conferência que em novembro vai reenquadrar os objetivos do partido para o futuro e escolher o novo secretário-geral, hoje anunciado – Paulo Raimundo.

Aos 75 anos, Jerónimo de Sousa passou os últimos 18 anos à frente dos comunistas (só superado pelos 31 do líder histórico Álvaro Cunhal), viu vitórias e derrotas nas eleições e protagonizou um feito único na história do partido em Portugal – um acordo à esquerda, com PS, BE e PEV, que permitiu afastar a direita (PSD/CDS) do governo e apoiar, com base em “posições conjuntas”, um governo minoritário liderado pelo socialista António Costa.

Nesta história, coube a Jerónimo uma declaração-chave da noite eleitoral de 6 de outubro de 2015, quando PSD e CDS ganharam as eleições, mas a esquerda ficou em maioria no parlamento, ao dizer: "Com este quadro, o PS tem condições para formar Governo, mas têm de perguntar ao PS.”

Seguiu-se um mês de negociações com António Costa para estabelecer a inédita e histórica posição bilateral conjunta, à semelhança de BE e “Os Verdes”, a denominada “geringonça”, a que os comunistas chamavam a “nova fase da vida política nacional”. Durou quatro anos (uma legislatura inteira), em que o PCP viabilizou quatro orçamentos do estado.

Se ajudou a construir a “geringonça”, Jerónimo e os comunistas contribuíram também para o seu fim definitivo. Há um ano, ajudaram a “chumbar” o Orçamento do novo governo minoritário do PS, saído das legislativas de 2019, que levou à antecipação de eleições em janeiro deste ano. O PS e Costa conseguiram uma maioria absoluta e a Coligação Democrática Unitária (CDU), liderada pelo PCP, caiu para o seu pior resultado.

Mas nestes anos de liderança, somou êxitos (ser o terceiro partido mais votado nas eleições gerais de 2005), também registou fracassos - o último dos quais a redução de 12 para seis o número de deputados à Assembleia da República.

Nas autárquicas de 2017 e 2021, a coligação continuou a perder votos e câmaras municipais, incluindo a emblemática Almada (Setúbal), para o PS. Nas europeias, de novo “um recuo”, como se lhe referem os comunistas: 6,8% com João Ferreira. Nas presidenciais de 2021, o ex-eurodeputado, apontado como potencial sucessor, obteve 4,3%.

As legislativas de 2019, em que a CDU caiu de 17 para 12 deputados, com menos dois pontos percentuais do que em 2015, passaram à história a “nova fase da vida política nacional”, como os comunistas chamam ao período da “geringonça”.

O PS não quis acordo, apesar da maioria de esquerda no parlamento, mas o PCP e Jerónimo foram pondo distâncias aos socialistas.

A pandemia de covid-19, declarada em março, abriu uma crise sanitária e “fechou” o país por várias semanas e, depois de dois meses de tréguas políticas, da direita à esquerda, a crise social e económica voltou a abrir divergências entre os dois ex-parceiros com o voto contra da bancada do PCP no Orçamento Suplementar, viabilizado pela abstenção do PSD.

Antigo afinador de máquinas numa empresa metalúrgica e dirigente sindical, Jerónimo Carvalho de Sousa, nasceu em 13 de abril de 1947, criado pela mãe biológica, Olímpia Jorge Carvalho, e seu marido António de Sousa. Sempre viveu em Pirescôxe, Santa Iria de Azóia, Loures.

Batizado pela Igreja Católica e com o quarto ano do antigo curso industrial, ao mesmo tempo que trabalhava (desde os 14 anos de idade), após ser um dos mais assíduos às passagens da carrinha-biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian, Jerónimo casou-se aos 19 anos com Ovídia e é pai de duas filhas, Marília e Lina.

O líder comunista ajudou a fundar e dirigir Associação Cultural e Desportiva local em Pirescôxe e ainda hoje exerce o seu direito de voto, no Grupo Desportivo da terra, aproveitando para jogar às cartas e conviver com velhos amigos dos tempos de teatro e dança na coletividade 1.º de Agosto de Santa Iria.

Entre 1969 e 1971, o ainda secretário-geral do PCP, benfiquista e fã dos The Beatles, cumpriu o serviço militar, com uma incursão ao cenário da guerra colonial na Guiné-Bissau.

Logo em 1975, um ano depois de ter aderido ao PCP, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte e continua, hoje em dia, como deputado na Assembleia da República. Dos primeiros tempos em São Bento, recorda como dava uma visão “do mundo do trabalho” a quem escrevia a Constituição.

Jerónimo foi eleito para o Comité Central do PCP no IX Congresso Nacional (1979) e integrou a Comissão Política comunista desde o XIV Congresso (1992).

Candidato à Presidência da República em 1996 e 2006, foi eleito líder comunista no XVII Congresso Nacional (2004), em Almada, sucedendo a Carlos Carvalhas, o escolhido para substituir o histórico Álvaro Cunhal, em 1992.

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